Muitas opiniões, dez anos depois: o ano em que tudo começou

O ano era 2014. Ano de Copa do Mundo no Brasil e de eleições para presidente. A copa não terminou muito bem e as eleições, bem, só quem viveu os últimos anos sabe tudo o que aconteceu de lá pra cá, mas o ano foi bom e foi um ano importante. Nesse aniversário de dez anos do blog, vou falar sobre ele. 2014, o ano em que tudo começou (música dramática). (Por aqui, pelo menos).

Não me lembro, exatamente, o que estava acontecendo na minha vida naquele período. O Rodrigo de 2014 usou franja e depois raspou o cabelo (como podemos observar abaixo). Eu morava sozinho, trabalhava, namorava, tocava bateria e fazia alguns shows com algumas bandas. Vivia meus 20 e tantos anos, sendo “jovem”.

Tenho uma memória seletiva. Quem convive comigo, sabe muito bem. Contudo, lembro que estava bastante entediado no trabalho. Estava completando um pouco mais de três anos de serviço público e os efeitos do que chamei, em um texto que escrevi somente em 2017, de “o acachapante efeito do serviço público: notas da inércia”, começavam a se manifestar em mim.

Show com a Banda 3 Of Us (cover dos Beatles) em dezembro de 2014, na BH Beatleweek

Para sair um pouco daquela sensação de “nada muda”, onde eu passava a maior parte da minha semana, na passagem de 2013 para 2014, lembro que comecei a estudar. Eu já vinha lendo um pouco de literatura policial e voltava a gostar de ler. Até então, eu estudava e lia mais por obrigação. Portanto, comecei a procurar artigos e matérias sobre Psicologia e temas diversos para ter a sensação de que “estava indo pra algum lugar” ou “evoluindo na vida”, o oposto do que vinha sentindo na minha experiência de trabalho. Foi a saída que encontrei para não adoecer, aproveitando as brechas e tempos livres.

Em um período onde os blogs ainda eram mais comuns e as redes sociais engatinhavam, achei que seria uma boa ideia começar a escrever e publicar algumas opiniões sobre o que eu vinha lendo e estudando. Eu vinha fazendo “fichamentos” do que lia, já exercitando a escrita. Não sei por qual motivo comecei a pesquisar sobre a violência, especificamente. Vagamente, me lembro que um roubo seguido de morte havia acontecido com alguém próximo de um dos meus familiares e isso havia gerado certa comoção. A sensação de insegurança surgia, diante da notícia. É provável que tenha sido isso.

Eu não tinha o hábito de escrever. Escrita era algo vinculado ao estudo e ao trabalho, no máximo, que via como meras obrigações. Ainda nem pensava em efeitos terapêuticos da escrita ou nada disso. A minha cabeça só estava muito embolada e a escrita acabou vindo, naturalmente, como uma saída possível, uma forma de organizar as ideias.

Não lembro se, cronologicamente, o primeiro texto publicado aqui no blog, em fevereiro de 2014, foi o primeiro que escrevi com esse objetivo. De qualquer forma, surgia o primeiro post, “Aconteceu mais uma vez, sob as mesmas circunstâncias“, publicado em 25 de fevereiro daquele ano.

Imagem que ilustra o post

Já era um mundo de opiniões e eu entrava para dar mais algumas. Daí veio o nome do blog: “Mais uma opinião“, que, oportunamente, estava disponível como domínio. Lembro que, inicialmente, criei o blog em uma daquelas plataformas gratuitas (se não me engano, era o Blogger). Com isso, o endereço do blog não era personalizado e os acessos eram poucos, além de que não era possível customizar o design do site. Penso que, por conta disso, acabei migrando para o WordPress em 2015 e, por aqui, fiquei. O domínio personalizado (www.maisumaopiniao.com.br) veio também nessa época.

Por conta da migração, perdi algumas datas originais das publicações. Portanto, só posso pressupor que talvez eu estivesse realmente muito produtivo em 2014, porque, depois do primeiro texto, de fevereiro de 2014, vieram oito em março do mesmo ano, sobre temas diversos, e muitos depois, totalizando 45 publicações até dezembro/2014.

Eu, particularmente, gosto desses textos iniciais. Hoje, penso que, naquela época, eu me expressava com menos receio e mais livremente. Talvez, o rigor e a pressão acadêmica, adquiridos com os anos de mestrado e doutorado (virei doutor), tenham contribuído com certa rigidez no fluxo livre das ideias. Destaco “A culpa é da mãe: a psicologia popular“; “A inversão da culpa” e “Ser gentil é mais importante do que estar certo“.

Os meses que se seguiram foram produtivos, com vários textos publicados, sendo a grande maioria resenhas ou artigos de opinião. Gosto bastante de “A mais pura e real intenção” e “A ética e o eclipse dos princípios morais. Porém, preciso destacar o que veio em vinte e oito de maio de 2014. Era a minha primeira experiência escrevendo o que chamei de “histórias curtas“, que são basicamente contos, onde me permitia criar histórias sem muito compromisso com nada ou ninguém, algo que gostaria de retomar.

Escrevi “O hipopótamo saudável“, basicamente a história de um marido traído. Hoje, quando releio o conto, fico orgulhoso do que produzi. Gosto do início, particularmente:

“Como um pão de queijo de ontem, esquecido na sacola da padaria, Osvaldo se sentia velho, murcho e sem esperanças”. Bem ilustrativo.

No mês seguinte, veio mais uma, “Gol perdido“, que não é meu melhor trabalho, mas é até divertida. Retomando, hoje, o que produzi na época, lembro que tinha voltado a desenhar. Sim, eu desenho, mas acabei abandonando esse hábito. Em “Descuido inevitável“, de julho de 2014, utilizo uma ilustração minha e penso que os desenhos eram até bem legais.

Desenho utilizado para ilustrar o conto “Descuido inevitável”

É interessante reler esse texto, dez anos depois. Eu, que ainda não fizera trinta anos de idade, imaginava Maurício, recém aposentado, enferrujado, que se esquecera de brincar e correr, mas que encontrara, no encontro com os netos, a energia para voltar a se divertir e se movimentar. Gosto desse trecho:

“‘Adaptar-se à felicidade e à surpresa pode ser mais difícil que acostumar-se à mesmice’ concluía, anotando aquela boa frase em um pequeno caderno e sinalizando aos netos que hoje não ficariam em casa. Sairiam para passear e talvez, quem sabe, apostar uma corrida”.

Resgatando os textos de 2014, lembrei que tive uma experiência muito legal e revigorante com um Curso de Introdução e Aperfeiçoamento no Playback Theatre, com um dos principais representantes da área no Brasil, o professor Mário Moura. Eu vinha de uma formação em Psicodrama e o teatro me interessava. Hoje, percebo que estava bastante inserido “nas artes” naquela época.

Para quem nunca ouviu falar, criado em 1975 por Jonathan Fox e Jo Salas, nos Estados Unidos, o Playback Theatre “é uma forma de teatro em que as pessoas da plateia são convidadas a contar histórias pessoais que serão encenadas pelos atores e músicos.” (Siewert, 2011). Falei sobre a experiência nesses dois textos (antes e depois).

Abaixo, um registro da formação, ainda com franja (e com camisa da Banda 3 Of Us – atualmente, uma relíquia).

Turma da Formação que aconteceu nos dias 23 e 24 de Agosto/2014

Era setembro de 2014 e eu morava no mesmo apartamento que moro hoje. No quarto que foi transformado em escritório, eu expunha minha ainda pequena coleção de livros, na foto que ilustra a resenha de um livro de Milan Kundera, “A festa da insignificância“, muito bom, por sinal.

A coleção de livros aumentou um pouco, mas ainda preciso de uma prateleira digna para organizar a biblioteca. Foi neste mesmo mês que escrevi dois outros textos que gostaria de destacar.

O primeiro, uma espécie de conto, “Indignações menores“, refletia, muito brevemente, sobre o estresse diante de coisas pequenas. Eu constatava que precisava de férias (não precisamos todos?). O segundo, “Trilha sonora da juventude“, feito a partir de uma matéria publicada no site Slate e indicada pelo meu irmão, começava com uma pergunta: “Porque amamos as músicas que ouvimos quando éramos jovens?”. O artigo concluía que nunca vamos amar outra música como amamos a música da nossa juventude. Não sei se é verdade, mas concordo que a trilha sonora da nossa juventude tem imenso valor.

Hoje, relendo esse texto, penso que, uma década depois, venho entendendo melhor a importância da música na minha vida, seja tocando ou ouvindo. Sinto na pele, hoje, que a música produz emoções em mim que nada mais produz e que é por meio dela que vivi e vivo tantos momentos de presença.

Me aproximando do fim do ano, lembrei que publiquei o meu segundo artigo científico em outubro de 2014, falando sobre a minha experiência com “Psicodrama e o desenvolvimento de equipes de trabalho“. O artigo buscava demonstrar as principais contribuições do psicodrama, enquanto técnica e teoria, no processo de desenvolvimento de equipes, utilizado em empresas e dirigido a grupos de pessoas que precisam unir esforços para executar um trabalho em comum.

Isso é interessante porque era uma oportunidade rara de unir o meu trabalho (aquele do serviço público acachapante e inerte, do início do texto) e o meu interesse em escrever e estudar. A experiência, realmente, tinha sido bem gratificante e lembro de me sentir vivo e ativo ao planejar e conduzir as sessões coletivas.

Chegamos no último bimestre. O natal e o ano novo se aproximam. É nesse contexto que publico dois textos que gosto bastante. Em primeiro lugar, mais um conto, “Cão autônomo em fuga“, que teve grande influência do meu sempre constante convívio com cachorros.

Neste texto, Pinduca, o cão, se revolta com a ausência dos donos e resolve fugir (arruma até mochila), mas a coisa muda um pouco de figura, momentos depois. Especificamente, neste conto, comecei a inserir uma “moral da história”, porque achei divertido, e acabei repetindo isso em outras histórias no futuro. Também tenho orgulho desse texto.

Tradução livre: Você gostaria que o rato fizesse a mesma coisa com você?

Em seguida, um texto que, até hoje, é um dos mais acessados no blog: “Quando damos o valor adequado às pessoas?“. Nesse post, falei sobre a empatia e sobre como “o valor adequado que damos às pessoas corresponde, dentre outras coisas, ao momento, ao respeito e à nossa capacidade de ser empáticos”.

Eu dizia que devemos nos preocupar com a nossa percepção de nós mesmos e dos outros, sempre reavaliando como nos relacionamos e vivemos a nossa vida, principalmente na relação com as outras pessoas. Era uma reflexão para mim mesmo, ainda válida.

Hoje, penso um pouco além sobre a questão da empatia, já que, depois de ler “A morte é um dia que vale a pena viver: e um excelente motivo para se buscar um novo olhar para a vida“, da Ana Claudia Quintana, conheci melhor a distinção entre “empatia” e “compaixão”. Sugiro fortemente a leitura do livro para descobrir essa e outras coisas.

Em 2014, fiz algo que, infelizmente, não fiz em todos os anos que se seguiram: uma retrospectiva. Intitulado “Pode fechar a conta, 2014“, esse resgate traz um pouco do que eu estava pensando naquele período. Lá eu disse que faria “um texto como esse todos os anos a partir de agora”. Fiz apenas alguns. Meta parcialmente cumprida.

Eu comentei também sobre o triste fim da Copa do Mundo, sobre o título da Copa do Brasil para o Galo e sobre os desafios das eleições presidenciais, já dizendo que tinha sido “um exemplo de como jogar sujo e como a busca pelo poder supera qualquer limite ético”. Mal sabia eu que depois viriam coisas muito piores.

Lançamento do livro “Processos psicossociais, organizações e trabalho: novas reflexões”, em dezembro de 2022

Eu falava do meu aquecimento para o mestrado e de como havia estabelecido algumas metas simples, como: estudar frequentemente, ler muitos livros e escrever. Não imaginava que, dez anos depois, ainda estaria aqui escrevendo opiniões e com mestrado e doutorado concluídos. Mas, pra mim, o que mais me marcou ao reler esse texto é uma percepção que hoje acho muito acertada. Eu disso, em dezembro de 2014: “Encontrei um gosto particular pela escrita e, mais do que uma meta, a prática se tornou um prazer“. É verdade. Escrever organiza a existência.

O Rodrigo de 2014 sugeriu alguns livros no fim daquele ano e eu concordo com ele. “Cartas perto do coração“, de Fernando Sabino e Clarice Lispector, que traz a troca de correspondências entre eles no período de 1946 a 1969 e nos mostra o mundo interno de dois grandes escritores. “Novas Fábulas Fabulosas“, do Millôr, que me ajudou e incentivou a tentar escrever de forma livre e criativa. E “Perto do coração selvagem“, da Clarice Lispector, que dispensa apresentações.

Eu disse, lá em dezembro de 2014, que o ano havia sido inspirador e que novos livros, filmes, músicas, artigos, experiências, lições de moral e narrações fragmentadas viriam no futuro. Vieram e ainda virão.

Conclusão do Doutorado em março de 2022

Nesses dez anos deste espaço aqui, me parabenizo e me orgulho de não ter parado, desistido ou abandonado a ideia. Em dez anos de existência, passaram por aqui mais de 65 mil pessoas e isso é muito maluco. Quanta gente. Tive momentos de maior e de menor divulgação nas redes sociais, com interações no Facebook, Twitter e Instagram, principalmente. Textos que se destacaram. Textos que poucas pessoas leram. Textos publicados em outros blogs e sites.

Quase larguei o blog em 2023, quando abri mão do domínio personalizado por alguns meses e fiquei meses sem publicar nada. Seguia lendo, mas um período de exaustão após a conclusão do doutorado em 2022, me levou a interromper a escrita por um tempo. Depois, arrependi de ter “abandonado” o domínio e, por coisas do destino, consegui retomar o site e voltar a escrever. Desde setembro de 2023, retomei o hábito de publicar e movimentar o blog.

Sempre temos visita, por aqui, mesmo com pouca divulgação. Basicamente, compartilho os textos nas minhas redes sociais (Twitter e Instagram) e pretendo ampliar as formas de me divulgar. Há alguns anos, em virtude de uma mudança no site que guardava minha newsletter, perdi uma boa lista de e-mails que tinha de pessoas que assinavam o blog e não consegui recupera-la.

Meu orientador, Prof. José Newton, e eu, no lançamento do meu livro “O dom de ver atrás do morro”: o trabalho de agentes penitenciários em um manicômio judiciário, em dezembro de 2019

O mundo de 2024 é bem diferente do mundo de 2014. Principalmente em termos tecnológicos. Ainda não comecei a dançar nas redes sociais, se é que me entendem. Mas confesso que a constante visibilidade é legal e garantiu, de certa forma, a sobrevivência do espaço, que sempre foi totalmente desprovido de interesses financeiros. “Tem alguém lendo”, nesse “mundão da internet”. Sim, eu, como quase um quarentão que sou, ainda separo “o pessoal da internet” das pessoas do mundo real.

Antes de terminar esse apanhado do “ano em que tudo começou”, vou lembrar os cinco posts mais lidos do blog de todos os tempos e me despedir. Depois eu volto, afinal tem muita coisa pra falar de 2015 até agora. Para você que chegou até aqui, obrigado. Até breve!

Cinco posts mais lidos (todos os tempos):

  1. Paulo Freire e a Pedagogia da Autonomia
  2. Depressão e Tristeza não são sinônimos
  3. Cinco livros sobre Psicodrama #1
  4. A casa dos mortos, a prisão e a loucura
  5. Byung-Chul Han e a Sociedade do Cansaço

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