A Exaustão No Topo Da Montanha, de Alexandre Coimbra

“Eu produzo, tu produzes, eles performam. Nós nos estafamos, vós cansais, eles se esgotam, e todos são aplaudidos”.

Depois de ler o livro “Toda ansiedade merece um abraço“, escrito por Alexandre Coimbra, fiquei curioso em ler outras coisas do autor, assim como ouvir alguns episódios do seu podcast. Como tinha outros livros na fila antes, terminei a leitura de “Trinta segundos sem pensar no medo“, do Pedro Pacífico, sobre o qual também falei aqui no blog, e resolvi furar a fila com outro livro do Alexandre que me chamou bastante a atenção por conta do título.

Intitulada “A exaustão no topo da montanha” e lançada em outubro de 2021, a obra é o segundo livro publicado por Alexandre, depois de sua estreia com “Cartas de um terapeuta para seus momentos de crise”, o qual ainda vou ler. Em primeiro lugar: exaustão? Me identifico. Aliás, quem não se identifica? Como define muito bem Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, vivemos a sociedade do cansaço e do desempenho. A produtividade se tornou a ordem do dia e invadiu tanto a nossa vida profissional, como pessoal. Além disso, lidamos com mecanismos que o tempo todo estão tentando capturar a nossa atenção, como explica muito bem Jenny Odell, em “How to do nothing”: Resisting the Attention Economy“.

Quando iniciei a leitura do livro do Alexandre, imaginei que encontraria algo parecido com o livro anterior sobre ansiedade, com capítulos estruturados na forma de conversa com o leitor, mas combinando relatos e elementos teóricos. Contudo, fui surpreendido com uma escrita diferente, que, a princípio, me gerou algum desconforto, mas que, ao longo do livro, se revelou uma excelente de estratégia para abordar um tema tão presente em nossas vidas e na nossa cultura.

Alexandre traz a Exaustão (isso mesmo, com letra maíuscula) em pessoa para conversar conosco. Ela está lá, no alto da montanha, nos observando e entendendo o tamanho do estrago que causou ao ser transformada em objeto de desejo e símbolo de prestígio e reconhecimento. É ela que nos escreve essa carta. Estar exausto e não ter tempo pra nada é sinal de sucesso? Para a nossa cultura contemporânea, aparentemente sim. E cá estamos nós, induzidos ao erro, ocupando todo o nosso tempo, algo tão precioso e esgotável, com atividades que sejam consideradas produtivas e que, de preferência, gerem algum valor financeiro.

O autor sinaliza que “é estapafúrdio e tresloucado um projeto de vida que se estrutura em torno da superação contínua dos próprios limites, como se a vida fosse um subir contínuo de montanhas” (posição 301). Apesar de não abordar diretamente o tema, a obra de Alexandre ilumina diversos aspectos que hoje entendemos como a Síndrome de Burnout ou síndrome do esgotamento profissional, que, basicamente, “é um transtorno psíquico relacionado à exaustão emocional e ao comprometimento da realização pessoal no trabalho, com sintomas físicos e emocionais, resultado de estresse crônico do cotidiano de algumas atividades”.

Não sei se é uma referência do autor, mas o livro parece se inspirar, de alguma forma, na metáfora trazida em “A Segunda Montanha: A Busca Por Uma Vida Moral“, de David Brooks, jornalista e escritor canadense, por mais que os autores utilizem a ideia de “subir a montanha” ou a “imagem da montanha”, de formas distintas. Falei brevemente sobre ele ao comentar outro livro do Alexandre Coimbra, aqui.

O livro é estruturado em dez capítulos, que vão desde a apresentação da Exaustão ao encontro com a Esperança, essa também maíuscula, que resgata o poder da beleza e da delicadeza para nos mostrar que ainda existem caminhos possíveis para inventarmos uma nova forma de viver. Alexandre segue, como no livro anterior, nos brindando com uma escrita poética, sensível e envolvente. Fiz questão de aproveitar o finzinho das minhas férias e ler o livro em poucas sentadas. Não foi difícil. Com o relato da Exaustão, que nos convida a refletir e questionar nosso modo de existir, ficamos curiosos em descobrir o desfecho.

Alexandre relembra que “quando as coisas ganham nome, elas ganham substância, fazem sentido e constroem novos sentidos” (posição 63). Para ele, “falar é o ato supremo da capacidade de fazer a vida mudar de lugar, mesmo que tudo pareça imobilizado em amarras perfeitas” (posição 1050). Ou seja, ao falarmos sobre algo tão presente em nossa cultura, mas de certa forma naturalizado, reconhecemos a exaustão, o cansaço, a desesperança, a culpa, a pressão e tantos outros elementos que caracterizam a experiência de viver nessa sociedade que condena o ócio.

Como nos ensina o autor, “fale, comente, reflita, questione, não silencie seus incômodos, porque eles são o farol de sua reconstrução. Se você não aguenta mais, sua vida merece receber uma reforma; há muito de você soterrado embaixo da carga de afazeres e louros de glória” (posição 316). Alexandre insiste, em nome da Exaustão, que devemos reaprender a parar. “Reaprender a pausar é insistir numa prática lenta e gradual de retorno ao tempo da delicadeza […] Pausar é dar o espaço e o tempo para o diálogo interno e silencioso consigo” (posições 1174 e 1175).

Diferentemente de outras obras que abordam essa cultura, tais como de Richard Sennett, Byung-Chul Han ou Jenny Odell, Alexandre Coimbra o faz de uma forma que nos aproxima dos sentimentos e emoções que vivenciamos ao lidar com essa marca da contemporaneidade. Somos convidados a refletir, questionar, analisar e elaborar. Ficamos pensativos e tendemos a agir, entrar em movimento para mudar um modo autômato de levar a vida. Para mim, uma das principais reflexões da obra é conectar os efeitos da exaustão com o surgimento da desesperança, da crença de que é impossível fazer diferente, e com o esmaecimento da criatividade e do bem-estar. Os exaustos, muitas vezes, não conseguem ver que estão exaustos. É um dos efeitos da Exaustão.

Por fim, o autor relembra que “o bem-estar não é uma conquista definitiva, ele é um cuidado permanente” e que “estar bem não é estar calmo e absolutamente seguro, mas estar em movimento entre instâncias da vida que lhe agradem” (posições 1260 e 1312).

Como de praxe, destaquei alguns trechos que deixo aqui e recomendo a leitura. Talvez ouvir a Exaustão em pessoa seja o que está faltando para que você consiga voltar a imaginar caminhos e vidas diferentes, menos marcados pelo cansaço e pela obrigação, e mais marcados pela beleza e pelo bem-estar.

“Respirar é o ato primordial da vida e é o esquecimento primordial da vida exausta” (Posição 79).

“O tempo é a estrada; os passos são as decisões que tomamos; as pausas são os momentos em que merecemos conversar sobre o que estamos construindo de história” (Posição 197).

“Quanto mais você se conhece emocionalmente, mais se sente capaz de agir nas relações de que faz parte” (Posição 223).

“Nada que é tão fascinante, quando é exercido com pressão, sobrecarga e quantidade de envolvimento acima das possibilidades razoáveis de um humano, permanece nesse pedestal. E a queda vai ficando cada vez mais alta” (Posição 283).

“Desde que você começou a me sentir por perto, que cenários se invisibilizaram para fora da sua câmera que mira o futuro? Consegue perceber a partir de quando você deixou de ver a própria vida como uma possibilidade de mudança contínua? Sente o quanto têm feito parte da sua retórica as frases “isso não tem jeito”, “a vida é mesmo assim”, “para mim não tem outra saída, porque não posso abrir mão disso ou daquilo”? Sem que você perceba, sem que possa ter se dado conta, a desesperança veio ganhando espaço” (Posição 896).

“Você deixou de aprender com as várias subidas à Montanha da Exaustão? Por que acha que essas dores que você sente não lhe mobilizam mais como antes? O que terá acontecido com as suas vontades, os seus desejos e as suas necessidades? Em uma palavra, eu lhe respondo: viraram silêncio. O silêncio chegou como tampão dos incômodos, levado pela necessidade de você continuar se provando inesgotável, sempre à procura da próxima meta mais desafiadora do que a anterior. Você comprou mesmo a ideia de que somente seria uma boa pessoa com uma biografia bem-sucedida, se a cada novo instante se provasse mais hábil, mais ousado, mais criativo e mais produtivo. E, por isso, deixou de sentir” (Posição 957).

“Basta de fazer uma avaliação de si mesmo com uma régua que lhe maltrata e lhe impede de ter dias bons ou ruins. Avalie se o seu mundo à volta – família, amigos, colegas de trabalho – reforça o que de mais neurótico você tem aí dentro. Preste atenção em como você conversa sobre si. Perceba se você pede aos demais que lhe confirmem a sua pequenez, ou se você se desculpa de forma reiterativa por não ter tido qualquer tipo de desempenho, do mais simples ao mais alto padrão” (Posição 1108).


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4 Respostas para “A Exaustão No Topo Da Montanha, de Alexandre Coimbra

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