Domenico Starnone, Hanya Yanagihara, Alexandre Coimbra e os livros de 2023

A pandemia que vivemos entre 2020 e 2022, e tudo que veio junto com ela, trouxe uma experiência que imagino ser comum a muitas pessoas nos dias de hoje: a dificuldade de se concentrar. Não podemos dizer que se trata de um legado particular dessa fase da nossa história, afinal, a pandemia veio apenas intensificar, em grande medida, a utilização da tecnologia como mediadora nas nossas relações pessoais e profissionais, modificando profundamente tudo o que conhecíamos. Estamos em uma era de disputa de atenção, como discute muito bem de Jenny Odell, em “How to do nothing”: Resisting the Attention Economy“.

Acho que será comum dizer, para quem viveu esse período, que existia uma vida antes e uma vida depois da pandemia da Covid-19. E não é sobre dizer que, no que diz respeito ao sofrimento causado pelo isolamento e pelas perdas de vidas humanas, todos estávamos no mesmo barco, porque não estávamos. Nunca estivemos. É sobre dizer que a pandemia representou uma experiência coletiva de impactos em escala global. Difícil dizer que alguém tenha saído imune disso tudo.

Esse preâmbulo é apenas para dizer que, se teve algo que se perdeu na minha vida, de certa forma, nos últimos anos, e que venho reencontrando com grande satisfação, foi o prazer, a energia e a capacidade, mental e emocional, de ler e escrever. Não deixei de ler, nem de escrever. Tenho uma lista pessoal onde registro todos os livros que leio. Para exemplificar: se em 2019 e em 2020, tinha lido quatorze livros em cada ano, em 2021 li apenas quatro, retomando “meu ritmo” em 2022, com onze leituras. Em 2023, fecho o ano com dezessete livros lidos. Que fique claro: não é uma disputa. Porém, considero que somente em 2022 e, especialmente, em 2023, retomei o hábito de ler por prazer e sentir vontade de escrever.

Se a leitura não foi tão impactada, a escrita foi bastante. Mas calma, não totalmente. Entre 2020 e 2022, vivenciei os últimos anos do doutorado, que concluí em março de 2022. Obviamente, por demanda acadêmica, precisei me dedicar a ler e produzir conteúdo vinculados às pesquisas nas quais estava envolvido. Artigos, capítulos, resenhas, livros, fichamentos e resumos. Normas daqui, pareceres de lá. O mundo científico pode ser muito desgastante.

Talvez por conta do hábito de ler e escrever, sempre lidei bem com a necessidade de escrever, de modo geral, assim como produzir artigos, capítulos, entre outros. Como todo mundo, sempre tive alguns bloqueios. Porém, sempre consegui resolver. Contudo, observei que, após concluir o doutorado, entrei num período de “exaustão” no que compete à produção acadêmica. Faltava energia, foco e disposição para escrever novos artigos, fichamentos e resumos. Esse “estado de coisas” vem me deixando aos poucos, mas ainda existem rastros de cansaço.

Por aqui, no blog, produzi pouco e quase o abandonei. Perdi o domínio do site por um tempo, depois me arrependi e consegui reavê-lo. Com apenas cinco textos publicados em 2022 e nada publicado até agosto de 2023, decidi, recentemente, retomar esse hábito de escrever e emitir opiniões, aqui, por escrito, com tempo e calma, do qual tomei tanto gosto, desde fevereiro de 2014. Quando escrevi essa data, percebi: estamos chegando aos dez anos da criação deste blog. Que coisa.

Sem mais delongas, falemos das leituras de 2023. Neste ano, que acaba daqui a pouco, li dezesseis livros e estou terminando o décimo sétimo. Em janeiro, comecei com o escritor italiano Domenico Starnone, lendo dois dele na sequência: “Laços” e “Segredos“. Depois, próximo da metade do ano, li mais um dele: “Dentes“. Gostei bastante de “Laços“. Gostei de “Segredos“. E não gostei tanto de “Dentes“. Não produzi comentários específicos sobre eles por aqui, mas, em síntese, são romances bem escritos e cativantes, daqueles de ler em algumas sentadas, ainda que “Dentes” não tenha um enredo assim tão interessante. Caso se interesse pelo autor, comece por “Laços“. Acho que não se arrependerá. Ainda preciso ler “Assombrações“, que completa a “trilogia sentimental” do autor. Está na lista.

Retomando, na sequência, ainda no primeiro semestre, li dois livros recomendados por listas e algoritmos. “A cachorra“, da autora colombiana Pilar Quintana, e “Solitária“, da escritora brasileira Eliana Alves Cruz. O primeiro é bem diferente do que já havia lido e é bastante agradável e interessante. Foi uma leitura prazerosa, pelo que me lembro. O segundo, traz à tona a questão do racismo e da desigualdade social no Brasil, por meio de uma história bem próxima da realidade de muitos de nós, trabalhando também o choque de gerações e formas de encarar essas temáticas. É muito bom.

Depois de dois livros menores, resolvi aumentar o desafio (ainda sem saber) e comecei a leitura de “Uma vida pequena“, da autora norte americana Hanya Yanagihara. Não conhecia o livro, nem a autora. Portanto, aceitei a indicação de um amigo e iniciei a leitura do Kindle, descobrindo, rapidamente, que se tratava de uma obra de setecentas e oitenta e quatro páginas, no formato impresso. Não me arrependi. Pelo contrário, foi, certamente, uma das melhores leituras do ano. É um belo romance, com personagens muito interessantes e um enredo sensacional. Contudo, trata-se de um livro que traz bastante sofrimento e relatos de violência e sofrimento, exigindo do leitor algum tempo para assimilar e elaborar tudo aquilo. É um livro para ler aos poucos, em pequenas imersões. Recomendo. Inclusive, ganhei, de presente do amigo que o indicou, outro livro da autora, “Ao paraíso“, publicado em 2022, e que já entrou na lista para 2024.

Prestigiando meu ilustre orientador de mestrado e doutorado, me dediquei, na sequência, a “Retalhos de Fazenda“, de José Newton Garcia de Araújo, sobre o qual escrevi aqui no blog. Utilizando minhas próprias palavras, “em Retalhos, encontramos 33 (trinta e três) contos, de tamanhos, formatos e temas variados, distribuídos em 04 (quatro) partes, inspirados, principalmente, em lembranças da infância, vivida no ambiente interiorano de algumas décadas atrás”. É uma leitura muito prazerosa. Leia a resenha e considere, fortemente, incluir na sua lista de leitura.

No segundo semestre, aumentei um pouco o ritmo e li alguns títulos na sequência. Comecei por “Toda ansiedade merece um abraço“, do psicólogo e escritor Alexandre Coimbra, do qual também li “A exaustão no topo da montanha“. Escrevi sobre os dois livros por aqui e também acho que foram algumas melhores leituras que fiz nos últimos tempos. Estava precisando. Perceba que, nesse momento, voltei a escrever resenhas no blog e a publicar mais, retomando o prazer de transmitir e registrar um pouco da experiência que tive ao ler essas obras. Mais do que um exercício para os outros, tem sido um exercício para mim.

Entre a leitura das duas obras do Alexandre Coimbra, encaixei outras duas. “A gente mira no amor e acerta na solidão“, da psicanalista Ana Suy, e “30 segundos sem pensar no medo“, do escritor e influencer literário Pedro Pacífico. Sobre o livro de Ana Suy, penso que preciso ler novamente. É daqueles livros que você lê em um momento não tão bom da sua vida e você acaba não assimilando bem tudo o que a obra pode te entregar. Tenho certeza que é excelente, mas não combinamos, por enquanto. Quanto ao livro de Pedro Pacífico, falei sobre ele aqui no blog e, me citando: “Ler e conhecer a experiência do Pedro me ajudou a relembrar o momento em que comecei a ter a leitura, em minha vida, como hábito diário”. Ler um livro sobre literatura e sua relação com as nossas experiências de vida me ajudou bastante a resgatar aquilo que disse que estava perdendo, lá no início do texto.

Entrando na reta final de 2023, fiz algumas leituras que também considerei bastante marcantes.

Em primeiro lugar, “Nação Dopamina“, de Anna Lembke, médica norte americana e professora. Como indiquei na minha resenha sobre o livro, como consta na sinopse da obra, “este livro é sobre prazer. É também sobre sofrimento. Mas mais importante, é um livro que trata de como encontrar o delicado equilíbrio entre os dois, e por que hoje em dia, mais do que nunca, encontrar o equilíbrio é essencial”. É um livro contemporâneo e que faz todo o sentido para o que vivemos hoje em dia.

Na sequência, “A morte é um dia que vale a pena viver“, de Ana Claudia Quintana Arantes, médica geriatra formada pela USP e que atua com Cuidados Paliativos. Como destaquei na resenha que escrevi, “você pensa sobre a morte? Mais particularmente, a sua própria morte? Já conversou sobre isso com familiares, amigos ou companheiros? É bastante provável que não”. O livro de Ana Claudia nos ajuda a pensar sobre a morte e sobre a vida que queremos ter, com extrema delicadeza e experiência.

Por fim, chegamos a “Véspera“, da escritora Carla Madeira, autora do aclamado “Tudo é rio”, que li em 2022, mas acabei não comentando por aqui. Como falei na resenha, “neste romance, a autora conta a história em dois tempos, alternando passado e “presente” em capítulos muito bem distribuídos, de modo a criar um encadeamento perfeito para o suspense. Basicamente, Véspera conta a história de dois irmãos gêmeos que recebem o nome de Caim e Abel e que, ao longo da vida, convivem com a angústia materna de que a histórica bíblica se repita, em forma de tragédia profetizada”.

Nesse meio, li o breve “Crônica de uma morte anunciada“, do célebre escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez, que representa todo o talento do autor e traz uma história extremamente cativante e dinâmica. E “A hora da estrela“, da também aclamada Clarice Lispector, este mais enigmático e diferente, alternando narrativas simples de uma história qualquer e momentos de reflexão e conversa do suposto escritor com o leitor. Ler Clarice novamente me deu vontade de ler mais e já coloquei na lista de leituras de 2024 a coletânea de contos lançada em 2016.

Para encerrar 2023, estou caminhando na leitura de “Morte da alta sociedade“, do escritor belga Georges Simenon. Já li muitos livros de Simenon, particularmente os romances do Comissário Maigret, quando tive a minha época de ler, desenfreadamente, literatura policial. Hoje, retomando, percebo o quanto é bom e pretendo sempre intercalar leituras “mais complexas e duras” com romances policiais “mais leves”. Entre outras resenhas e comentários sobre esses romances com o Comissário Maigret, destaco este: Meu nome é Maigret, Jules Maigret. Só escrevi a parte um, nunca fiz a dois.

Por fim, segue a lista completa:

  • Domenico Starnone – Laços
  • Domenico Starnone – Segredos
  • Pilar Quintana – A cachorra
  • Eliana Alves Cruz – Solitária
  • Hanya Yanagihara – Uma vida pequena
  • José Newton – Retalhos de fazenda
  • Domenico Starnone – Dentes
  • Toda ansiedade merece um abraço – Alexandre Coimbra
  • A gente mira no amor e acerta na solidão – Ana Suy
  • 30 segundos sem pensar no medo – Pedro Pacífico
  • A exaustão no topo da montanha – Alexandre Coimbra
  • Nação dopamina – Anna Lembke
  • Gabriel Garcia Marquez – Crônica de uma morte anunciada
  • Ana Quintana – A morte é um dia que vale a pena viver
  • Carla Madeira – Véspera
  • Clarice Lispector – A hora da estrela
  • Georges Simenon – Morte da alta sociedade

Está nos meus planos, em 2024, continuar lendo e escrevendo por prazer. E continuar compartilhando tudo isso por aqui. O blog “Mais uma opinião“, que agora se aproxima dos seus dez anos de criação. Muita água rolou debaixo dessa ponte. Será necessário um post comemorativo. Até lá!

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