Nação Dopamina, de Anna Lembke

“Por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar?”. Essa é a pergunta que figura na capa de “Nação Dopamina“, lançado no Brasil em 2023, pela Editora Vestígio. Com título original “Dopamine Nation: Finding Balance in The Age of Indulgence” (2021), o livro foi escrito pela Dra. Anna Lembke, médica norte americana e professora de Psiquiatria e Medicina de Adicção na Escola de Medicina da Universidade Stanford, a partir de sua experiência profissional no campo da saúde mental e da dependência, e também de sua história pessoal.

Anna Lembke é é autora de mais de cem publicações revisadas por pares e também de outro livro que pretende ler futuramente intitulado “Nação Tarja Preta: O que há por trás da conduta dos médicos, da dependência dos pacientes e da atuação da indústria farmacêutica”. Ela aparece no documentário “O Dilema das redes“, lançado pelo Netflix em 2020, que discute o poder e o impactos das redes sociais sobre a democracia e a humanidade.

Como consta na sinopse da obra, “este livro é sobre prazer. É também sobre sofrimento. Mas mais importante, é um livro que trata de como encontrar o delicado equilíbrio entre os dois, e por que hoje em dia, mais do que nunca, encontrar o equilíbrio é essencial”. De acordo com a autora, vivemos em uma época de excessos e de abundância de estímulo com poder de causar dependência. Um bom exemplo está na palma da mão: nossos smartphones. As redes sociais e tudo o que os celulares podem nos proporcionar, atualmente, ilustram bem como nos tornamos, ao mesmo tempo, uma sociedade conectada o tempo todo, mas também alheia ao que está acontecendo no mundo à nossa volta.

Confesso que quando vi a indicação do livro em um desses perfis de influenciadores do tema (da Maria Clara Soares – @psiqclara), me interessei, particularmente, pelo que a obra traria acerca do tema da dependência envolvendo o uso dos smartphones, a produção e cobrança da felicidade e sua relação com a dopamina. Contudo, encontrei algo um pouco diferente do que esperava, porém ainda cativante e interessante.

O livro de Anna Lembke é dividido em três partes: a busca do prazer; autocomprometimento; e a busca do sofrimento. Basicamente, a autora se apoia em três eixos para construir sua argumentação: relatos e histórias de pacientes atendidos em seu consultório (casos clínicos); sua própria história e relação com a dependência; e estudos científicos e argumentos teóricos, buscando sempre fundamentar e ilustrar os resultados e teorias que propõe. O livro é de agradável leitura e não se estende em demasia em cada assunto, como já vi ocorrer em outros livros similares. A escrita é bem didática, com ilustrações e esquemas, e os relatos dos pacientes dão, à obra, um tom mais informal e prático, menos carregado de teoria.

Segundo a autora, “a definição genérica de adicção é o consumo contínuo e compulsivo de uma substância ou um comportamento (jogos, video game, sexo), apesar do mal que fazem para a pessoa e para os outros” (p. 23). Essa definição é relevante porque, no livro, Anna discute a dependência em um âmbito muito mais amplo do que estamos acostumados, trazendo não só a dependência a substâncias lícitas (remédios para dor, ansiolíticos ou antidepressivos, tabaco, álcool) ou ilícitas (drogas como cocaína, heroína, entre outras) como um problema a ser enfrentado, mas também a dependência a comportamentos, como o uso excessivo dos smartphones e das redes sociais, o consumo de pornografia ou reality shows, e a realização de atividade física.

Para falar sobre a dependência, Anna se apoia na discussão sobre os circuitos cerebrais de gratificação, motivação e prazer, utilizando dos avanços da neurociência para ilustrar como o nosso cérebro funciona no que diz respeito à produção de prazer e sofrimento. A dopamina é um neurotransmissor envolvido no processo de gratificação, sendo um dos mais importantes neste circuito. Basicamente, a autora diz que quanto mais dopamina uma droga libera no caminho de gratificação do cérebro e quanto mais rápido ela faz isso, mais adictiva ela é. E aqui estamos falando de chocolate, sexo, nicotina, cocaína, anfetamina. Enfim, comportamentos e substância que produzem prazer.

Como diz a autora, “um dos maiores fatores de risco para se tornar dependente de qualquer droga é o fácil acesso a ela” (p. 25). Nesse sentido, estamos todos sujeitos a tornar dependentes de comportamentos, dispositivos ou substâncias, em um mundo onde a oferta de possíveis adictivos é grande e constante. Afinal, a internet produz, no mundo de hoje, um grande contágio social, disseminando modos de ser, comportamentos, o que é certo e o que é errado, tudo ao alcance das nossas mãos e olhos, atentos no rolar silencioso das telas.

Em um trecho do livro, onde discute nossa constante busca pelo prazer, a autora diz que “todos nós fugimos do sofrimento. Alguns tomam comprimidos. Alguns se estendem no sofá, maratonando Netflix. Outros leem romances baratos. Fazemos praticamente qualquer coisa para nos distrair de nós mesmos. No entanto, parece que toda essa tentativa de nos isolarmos do sofrimento apenas torna nosso sofrimento pior” (p. 49).

Para quem esperava um livro mais voltado à dependência dos smartphones e da tecnologia, foi uma surpresa estranha, mas agradável, encontrar um livro sobre circuitos cerebrais, dependência, autocomprometimento e formas de nos reconectarmos com as coisas mais simples e com as pessoas, entendendo que a adicção está mais presente em nossas vidas do que imaginamos, nos hábitos mais insuspeitos. Recentemente, assisti a este vídeo, do Emanuel Aragão, sobre “O Instagram e o fim da felicidade“, indicado por algum algoritmo, e achei interessante. Recomendo.

“Verdades simples e individuais sobre nossa vida diária são como elos em uma corrente que forma narrativas autobiográficas verídicas. As narrativas autobiográficas são um parâmetro essencial do tempo vivido. As histórias que contamos sobre nossa vida não apenas servem de medida do nosso passado, mas também podem moldar o comportamento futuro” (p. 174).

O livro traz ensinamentos valiosos e conhecimentos científicos que nos ajudam a entender um pouco do que vivemos, atualmente, em uma perspectiva mais ampla. Traz histórias de recuperação e superação, não só de vícios em substâncias lícitas e ilícitas, mas em comportamentos e modos de existir. Mostra como a psicoterapia pode atuar como fator fundamental para reconfigurar nossa forma de viver. É como se nos afastássemos do mundo e conseguíssemos enxergar tudo em uma visão panorâmica, em uma perspectiva analítica. Será que preciso entrar nas redes sociais todos os dias? Quanto tempo gasto no telefone? O que me traz prazer hoje em dia? Consigo tolerar o tédio e o ócio? Do que estou fugindo? Nesse sentido, volto a recomendar a leitura de “How to do nothing”: Resisting the Attention Economy, de Jenny Odell, sobre o qual falei aqui.

Em síntese, a autora busca transmitir algumas lições em mundo saturado de estímulos e dopamina. Dentre elas: que a busca incessante do prazer e a consequente fuga do sofrimento, na verdade, leva ao sofrimento. Que a recuperação começa com a abstinência e que essa abstinência reconfigura nosso cérebro, trazendo de volta nossa capacidade de sentir alegria e prazer nas coisas mais simples. Ela diz que o autocomprometimento cria um espaço entre o desejo e o consumo, e que prazer e sofrimento estão intimamente ligados, sendo necessário certa dose de sofrimento para termos prazer. Por fim, Anna sugere que “em vez de fugir do mundo, podemos encontrar escapatória ao mergulhar nele” (p. 214).

“Incentivo você a procurar uma maneira de mergulhar a fundo na vida que lhe foi dada; a parar de fugir do que quer que esteja querendo escapar e, em vez disso, parar e encarar seja lá que for. Então, eu desafio você a andar nessa direção. Assim, o mundo pode se revelar a você como algo mágico e inspirador, do qual não é necessário fugir. Em vez disso, o mundo pode se tornar algo em que vale a pena prestar atenção” (p. 213).

2 Respostas para “Nação Dopamina, de Anna Lembke

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