Esse é um daqueles textos que escrevo mais pra mim do que pra você. Para organizar a minha cabeça. Calma. Não se sinta ofendido, mas é verdade. É interessante como, em alguns momentos, quase esqueço que “faço parte” do mundo acadêmico e fico mais distante de cursos de graduação, aulas, pesquisas, congressos e afins. Já em outro, sou convidado para tantas atividades e me inscrevo para vários eventos ao mesmo tempo que fico meio desnorteado (não que isso seja ruim). É o que aconteceu recentemente.
Nos últimos meses, tive o prazer de circular em alguns espaços diferenciados para falar das minhas pesquisas e andanças no sistema prisional. Minha participação em seis eventos, neste intervalo, rendeu muita discussão e reflexão. Além de trabalhar no sistema prisional (não propriamente nos presídios, mas no apoio à saúde do trabalhadores), me interesso há muitos anos em entendê-lo.
É sempre interessante falar sobre as prisões porque, de modo geral, as pessoas não conhecem o que acontece lá dentro, além do que é mostrado em filmes, na televisão ou redes sociais. O que, saiba, é bem diferente da realidade.
Portanto, quando aceito esses convites, é com prazer que me desloco (presencial ou virtualmente) para novos ambientes, onde poderei transmitir um pouco da minha experiência pessoal e profissional que adquiri trabalhando por aqui há quase 14 anos, e também será possível trazer um olhar analítico para o que se passa nessa instituição tão peculiar. Quantos estamos há muitos anos em um mesmo lugar, uma mesma instituição, nos habituamos a muita coisa, o que é negativo, mas também conhecemos muitos detalhes e segredos que não saberíamos de outra maneira.
Por que as prisões seguem existindo da forma como existem? Precárias, superlotadas, abandonadas e violentas. Por que a sociedade insiste em manter sua lógica de justiça pautada em uma sede de vingança, que atinge uns e outros, de forma seletiva, e não faz nem cócegas em alguns privilegiados?
Essas são perguntas muito complexas e para as quais eu não tenho resposta. Só sei que, o que se fala do sistema prisional, ao denunciarmos a realidade violenta e precária, costuma não ser novidade pra ninguém. Todos nós sabemos o que se passa lá dentro. E seguimos coniventes com isso, como somos com uma série de coisas. Lembro quando falei sobre isso em um texto, há muitos anos atrás (Já esquecemos do sistema prisional, de novo).
Enfim, após me permitir um breve desvio filosófico, retomo a pauta principal: falar por aí sobre o trabalho nas prisões. Ou sobre saúde no trabalho, como gosto de pensar. Afinal, é do que gosto. Trabalho. Saúde. E o que fazer com isso. Gostaria, aqui, de mencionar alguns eventos e fazer alguns comentários, aproveitando para divulgar vídeos e textos que serviram de referência ou foram produzidos a partir desses convites, de modo a consolidar as andanças que se deram nos últimos meses.
06/03/2024 – Saúde mental no trabalho: do prescrito ao real
Em março, recebi um convite para dar uma palestra no Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico, IEPHA-MG, que é uma fundação ligada ao Governo de Minas Gerais. Com a demanda de “falar sobre trabalho, saúde e adoecimento”, recorri ao tema que tenho utilizado frequentemente e que nomeei: saúde mental no trabalho – do prescrito ao real. Essa definição costuma ser conveniente, uma vez que a própria distinção entre trabalho prescrito (tarefa, o que deve ser feito) e trabalho real (atividade, o que realmente é feito) é desconhecida por muitos.
As pessoas costumam ficar pensativas ao refletir que, entre o que é pedido para ser feito e o que realmente elas conseguem fazer, existe um abismo. E nesse abismo, mora um monte de possibilidades, de saúde ou de adoecimento. A palestra foi muito interessante e se tornou uma roda de conversa, da qual trouxe uma bela indicação, o livro Angústia, do Graciliano Ramos, o qual pretendo ler em breve. Uma senhora, que conversou comigo, falou sobre seu interesse em analisar algumas obras de Lima Barreto e Graciliano Ramos, à luz da experiência no serviço público. Achei bacana.
“Lançado originalmente em 1936 […] Angústia tem como protagonista Luís Silva, funcionário público de Maceió que leva uma vida medíocre e sem grandes emoções”, até que se apaixona por um amor que logo o troca por alguém mais rico e poderoso. “Tomado por ciúmes e rancor, Silva fica perturbado com os acontecimentos que se desenrolam e passa a acompanhar a vida de Marina enquanto sonha em matar Julião”. Convidativo, não?
19/04/2024 – Webinário – Quando O Trabalho Encarcera: Sofrimento Psicossocial Dos Trabalhadores Do Sistema Prisional
Em abril, também tive a oportunidade de participar de um excelente Webinário promovido pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública – CRISP da Universidade Federal de Minas Gerais, onde apresentei minha tese de doutorado e pude debater algumas percepções com outros pesquisadores sobre a difícil tarefa de se falar em saúde no sistema prisional. Já falei sobre a tese aqui, mas recentemente lancei um vídeo curto que resume a pesquisa.
O encontro foi um bom espaço para trazer a pesquisa ao público e ter um bom registro da apresentação dos dados, além de debater com especialistas da área sobre o tema. Recomendo todo o evento, que contou com a participação dos pesquisadores Raphael P. dos Santos e Isabela Cristina A. Araújo, além de mediação da Dra. Andréa Maria Silveira.
O webinário, promovido pelo CRISP, faz parte da programação de uma pesquisa que está sendo conduzida pela UFMG com foco na saúde dos trabalhadores do sistema prisional. A pesquisa “busca investigar os fatores psicossociais relacionados à saúde mental de polícias penais brasileiros”.
O vídeo do evento está inteiramente disponível no link abaixo e a minha fala se inicia aos 08 minutos, aproximadamente.
24/04/2024 – Um trabalho impossível? Análise da atividade de psicólogos nas prisões
Pouco depois, estive com o meu colega e professor Rafael Costa e tive a oportunidade de discutir a minha tese sobre o trabalho dos psicólogos nas prisões com alunos da graduação em Psicologia. Isso é sempre uma experiência interessante, porque volto com a ligeira impressão de que desmotivei toda e qualquer pessoa a ingressar no campo da segurança pública e da justiça, mais especificamente no sistema prisional.
Talvez o meu estudo traga um certo olhar “sombrio” sobre a realidade precária dos trabalhadores psicólogos que atuam nos presídios de Minas Gerais e aponte saídas que exigem grande esforço e possuem alta complexidade. Tenho pensado sobre isso, já que acabo falando de um lugar pouco conhecido e a ideia não é afastar as pessoas, mas aproxima-las dessa realidade.
A verdade é que a Psicologia, como um todo, precisa se aproximar dos debates em torno do sistema prisional e de como lidamos com a criminalidade e tudo que envolve segurança pública e direitos humanos.
25/04/2024 – Saúde mental no trabalho: do prescrito ao real
Um dia depois, retornei ao meu lugar de origem como servidor público: a cidade administrativas de Minas Gerais. Recebi um gentil convite para contribuir com um evento da Superintendência Central , no evento “Qualidade de vida no nosso trabalho“. A demanda era que falássemos para uma equipe de Recursos Humanos sobre saúde mental e trabalho, com foco no trabalho remoto e na síndrome de burnout.
O evento foi um sucesso e é muito interessante quando podemos falar de forma mais livre sobre a nossa experiência no serviço público, inclusive brincando um pouco com a estabilidade, a imagem negativa que a sociedade possui dos funcionários públicos e como podemos lidar com essas questões de valorização e reconhecimento.
15/05/2024 – 1º Seminário de Saúde Mental e Trabalho da Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais – O sentido do trabalho no sistema de segurança
Em maio, tive a honra de fazer parte de um seminário dedicado ao público interno da SEJUSP com o tema Saúde Mental e Trabalho, intitulado “Falar pode curar”. Compus a mesa com a colega, professora e médica Dra. Andréa Silveira, mais uma vez. Agora, nossa missão era falar sobre saúde mental, trabalho e sentido do trabalho na área da segurança.
Com mediação de um dos nossos colegas psicólogos na SEJUSP, o servidor Eduardo Augusto, a mesa foi extremamente interesse e está disponível no link abaixo, assim como todo o evento, que contou com nomes como Andrei Moreira, Neury Botega, entre outros. Nossa mesa tem início às 3h48min do vídeo.
14/06/2024 – Atividades Integradas – LaPOT – PsiTraPP (PUC Minas) – Um trabalho impossível? Análise da atividade de psicólogos nas prisões
Por fim, fechando essa temporada com chave de ouro, tive o prazer de apresentar minha pesquisa em um dos encontros de atividades integradas do Laboratório de Psicologia Organizacional e do Trabalho (LaPOT) da PUC Minas – Praça da Liberdade e do Grupo de Pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais (PsiTraPP), junto com colegas professores e pesquisadores, como João César Fonseca, Thiago Mendes, Leonardo Miranda, Bárbara Biondini, Leanderson Luiz, entre outros.
O PsiTraPP tem um site específico, onde você encontra informações sobre o grupo e textos produzidos no blog, inclusive alguns de minha autoria. Os grupos também estão nas redes sociais e podem ser localizados aqui e aqui.
A ideia do evento foi discutir a tese, mas além disso, falar dos desdobramentos dela, como a própria divulgação do trabalho, seja nas redes sociais, por textos ou vídeos, ou na publicação de um livro, por exemplo. Ademais, a proposta era discutir também as repercussões da pesquisa, tanto na academia, quanto fora dela, já que não pensei em produzir uma tese que virasse somente objeto de decoração na biblioteca da universidade.

O vídeo na íntegra está disponível no link abaixo (apresentação da tese a partir dos 00h04min do vídeo):
Após essa temporada de participações, a ideia é concentrar na produção dos artigos e pareceres que estão aguardando “na gaveta”, para que possa, em breve, retornar às andanças e à troca de experiência sobre saúde, trabalho, adoecimento, sistema prisional e tudo isso. Um abraço!
Leia também:
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