O que você está sentindo?

“O que você está sentindo?”. Desde que comecei a fazer psicoterapia com uma abordagem da terapia cognitivo-comportamental, a terapia de aceitação e compromisso (Acceptance and commitment therapy – ACT), ouço bastante essa pergunta. Eu, geladeira que sou, costumo não saber o que responder. Para ser honesto, a resposta sincera seria: nada.

“E o que você sentiu naquele momento?”. Essa também é boa. A resposta também costuma ser: não sei. É interessante como podemos ou não ser educados para reconhecer nossas emoções e sentimentos e expressá-los ou não para o mundo.

Não sei o que se deu entre minhas primeiras emoções, lá na primeira infância, e o eu da vida adulta, mas algo me levou, certamente, a desenvolver um certo “embotamento afetivo”, que é basicamente quando um indivíduo apresenta dificuldade em expressar sentimentos e emoções.

“Você localiza essa emoção no seu corpo?”. Brinco, entre pessoas próximas, que me tornei uma espécie de geladeira, que é a expressão utilizada para definir pessoas muito frias, insensíveis ou calculistas. Pessoas dominadas, supostamente, pela razão. Isso é mentira, mas talvez seja a impressão que eu passe para terceiros.

Antônio Damásio, médico neurologista, em seu livro O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano“, já mostrou que, ao contrário do que se acredita, não existe essa história de razão e emoção como entidades separadas.

Como dizem Tomaz e Giugliano (1997), em sua resenha sobre a obra:

São as emoções que nos fazem únicos, é o nosso comportamento emocional que nos diferencia uns dos outros. A natureza e a extensão do nosso repertório de respostas emocionais não depende exclusivamente do nosso cérebro, mas da sua interação com o corpo, e das nossas próprias percepções do corpo. Como diz Damásio, o corpo representado no cérebro constitui-se num quadro de referência indispensável para os processos neurais que nós experienciamos como sendo a mente (p. 407).

Como comentei em um texto anterior, o livro tem o mérito de derrubar ou, pelo menos, se contrapor a alguns mitos, como o de tomar decisões apenas de “cabeça fria”, ou seja, que a emoção não é parte integrante do raciocínio, do que consideramos o pensamento lógico e a razão. Damásio demonstra, ao contrário, que a emoção, o sentimento e a regulação biológica são parte integrante do processo de raciocínio.

Portanto, você pode argumentar: “mas, Rodrigo, então as emoções estão aí o tempo todo. Não tem nada de geladeira”. A afirmação não está incorreta. Contudo, é possível, sim, que estabeleçamos, ao longo da nossa vida, mecanismos de defesa ou estratégias de sobrevivência tão fortes e consolidadas, que passamos a operar, na vida, a partir desses mecanismos, e conseguimos, de certa, sufocar as emoções, que nunca deixam de existir, no entanto.

“Você está sufocado, Rodrigo?”, pergunta o leitor, ávido por saber onde este texto vai chegar. Não crie tantas expectativas. Talvez esteja, mas isso não é nenhuma novidade. Já estive mais. Nunca fui uma pessoa de grandes emoções, pelo menos na superfície. Contudo, hoje vejo que isso nem sempre me fez bem. E ainda não faz.

As emoções, quando não são expressadas, se manifestam de alguma forma. Seja através do trabalho, da arte ou do próprio corpo. Quando aprendemos a não compartilhar nosso estresse, nossa vulnerabilidade e nossas fraquezas, assim como alegrias, nos fechamos em um mundo pouco acessível aos outros.

Quando penso nisso, na minha dificuldade de chorar, por exemplo, sem sentir vergonha por isso, lembro sempre do episódio 12, da sexta temporada da clássica série Friends, que provavelmente marcou toda uma geração e ainda me arranca muitas risadas. “Episódio 12 – “Aquele em que Chandler não consegue chorar”.

No episódio, basicamente, os amigos tentam fazer com que o personagem Chandler chore, até que, em determinado momento, ele chora, e depois brinca que, uma vez que a torneira abriu, não fechará tão cedo. Sempre me identifiquei.

Todo mundo sabe que somos, todos, bastante acostumados com o nosso próprio jeito de ser e levar a vida, e nem percebemos determinados traços da nossa personalidade. Eu não percebia, até outro dia, que era tão difícil saber quando estou com raiva, quando estou triste, alegre ou com medo. Somos acostumados com as qualidades e com os defeitos, tanto que até chegamos a cansar de nós mesmos, em alguns momentos. Mas funcionamos, produzimos, descansamos, de uma forma ou de outra.

A questão é que, em tempos de Divertidamente 2, onde Alegria, Medo, Raiva, Repulsa e Tristeza, se juntam à Ansiedade, ao Tédio, à Vergonha e à Inveja, em pequenas versões personificadas, me lembro que, apesar dos esforços terapêuticos, tenho, sim, bastante dificuldade em responder à pergunta que dá título ao texto.

Hoje em dia, estou um pouco melhor nisso, mas sei que tenho um longo caminho pela frente. Ver filmes como este me levam à infância, assim como quando falo de desenho. Tenho certeza que, quando criança, utilizei o desenho como o principal meio para me expressar. Não vejo dúvida nisso. E falei sobre isso aqui. Hoje em dia, uso da escrita e da música, em grande parte, para expressar minhas emoções.

Identificar emoções não é tarefa fácil se você, como eu, não foi ensinado ou estimulado para tal desde pequeno. Há algum tempo, li o livro da psicóloga Susan David, “Agilidade Emocional: Abra sua Mente, Aceite as Mudanças e Prospere no Trabalho e na Vida” e percebi o quanto não sei identificar, aceitar e compreender as emoções, sejam elas negativas ou positivas.

“Deixar vir”. “Somente sentir”. Isso é extremamente complicado. “As emoções mostram, de certa forma, a resposta” – algo como a resposta está dentro de você, como naqueles filmes de herói. É difícil, eu diria, impossível, responsabilizar algo ou alguém, exclusivamente, por isso, por não ter desenvolvido uma agilidade emocional que me permitisse viver de forma mais fluida.

A vida se fez assim. A forma como nos desenvolvemos com certeza nos trouxe vantagens e desvantagens, e sempre estaremos mediando esse equilíbrio.

E você? Tem sentido o que gostaria de estar sentindo? “O que você está sentindo?”

Referências

Tomaz, Carlos; Giugliano, Lilian G. (1997). A razão das emoções: um ensaio sobre “O erro de Descartes”. Estudos de Psicologia, 2(2), 407-411. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/epsic/v2n2/a13v02n2 Acesso em 02 out. 2020.


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