No início desta semana, tive o prazer de participar da III Conferência Regional do IBCCRIM, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que aconteceu na sede da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, aqui em Belo Horizonte. O encontro ocorreu nos dias 17 e 18 de junho de 2024, e contou com conferências da pesquisadores e profissionais renomados, e apresentação de trabalhos com diferentes temas.
A minha relação com o IBCCRIM começou quando publiquei um artigo, ainda fruto da minha dissertação de mestrado, em um dossiê temático da Revista Brasileira de Ciência Criminais – RBCCRIM, um periódico científico altamente qualificado na área do Direito e afins. O dossiê, intitulado “Crime e loucura”, foi organizado e publicado em junho de 2018, e participei com o artigo “Preso ou paciente? A ambivalência institucional na atividade de agentes penitenciários em um manicômio judiciário de Minas Gerais” (vol. 144. ano 26. p. 29-60. São Paulo: Ed. RT, junho 2018).
Agora, em 2024, depois de alguns anos acompanhando o trabalho do Instituto, quando vi a divulgação da Conferência, fiquei bastante interessado em participar e levar a minha tese de doutorado para discussão. Na minha opinião, é fundamental que possamos dialogar com outras áreas do conhecimento e mostrar nossas pesquisas em outros ambientes, principalmente quando esses estudos envolvem contextos multidisciplinares, como a prisão. E, neste caso, fomos muito bem recebidos.
Com um recorte da tese, enviamos, eu, Leonardo Miranda e meu orientador, José Newton, um resumo intitulado: “Demora muito, né? Impactos do impedimento da atividade de psicólogos nas prisões”, que pretendemos que seja publicado em uma versão expandida, no formato de artigo, no qual possamos desenvolver melhor a ideia que desenvolvemos.
O objetivo, em síntese, foi dizer como o impedimento que os psicólogos das prisões enfrentam para realizar o seu trabalho diariamente traz impacto negativo para a garantia da própria execução penal e dos direitos humanos dos custodiados, afetando todo o trabalho desenvolvido no sistema prisional. Tratando-se de uma questão interdisciplinar, pontuar a precarização do trabalho dos psicólogos nas prisões, é indicar um problema que não se limita à Psicologia, mas se estende aos demais profissionais técnicos e especialistas, e também afeta a equipe de segurança, os custodiados e os seus familiares.
Falar sobre o trabalho de psicólogos nas prisões é discutir um cenário historicamente marcado pela precariedade e por dispositivos punitivos de controle social, onde a violação de direitos humanos está presente. Se você tem interesse em conhecer a tese na íntegra, pode começar por este vídeo e depois seguir com o arquivo completo. Lá faço uma discussão mais completa sobre a história das prisões, da Psicologia neste contexto e como podemos analisar e intervir nesta realidade.
A frase que inaugurou o título do resumo traz a resposta de um custodiado ao ser questionado, pelo psicólogo, se desejava manter o acompanhamento, após o atendimento inicial. Ambos já sabem que será praticamente impossível se encontrarem novamente diante da superlotação e do déficit de profissionais.
No Brasil, contexto no qual as prisões são ocupadas predominantemente pela repressão e pela violência, surge a necessidade de compreender a atividade desses profissionais, ainda pouco conhecida, não só pela sociedade, mas pela própria Psicologia, uma vez que os impactos causados por essa instituição alcançam todas as pessoas que vivem, trabalham e se relacionam com esse ambiente.
Nossa pesquisa abordou como a naturalização das violações de direitos dos presos e a deslegitimação da autonomia profissional trazem prejuízos, não só à execução penal, mas à garantia de direitos humanos e à saúde dos trabalhadores.
Com base em uma perspectiva teórico-metodológica calcada na Psicologia do Trabalho, que adota a centralidade do trabalho para investigar as relações entre saúde, adoecimento, e os processos de subjetivação, os resultados mostraram que as exigências do trabalho real nas prisões e os obstáculos decorrentes dos atravessamentos institucionais, assim como a falta de formação e de condições de trabalho adequadas, colocam o psicólogo em uma situação de contradição, de sofrimento e de submissão à dinâmica da segurança e à lógica da punição.
Dessa forma, ao não se apropriarem criticamente da sua prática, esses profissionais são conduzidos ao empobrecimento e à burocratização de sua atividade, onde a efetivação de seu papel na execução penal é inviabilizada. Sinalizamos, ainda, os impactos institucionais que levam ao desgaste, observando o aprisionamento, pelos trabalhadores, de suas formas de viver o trabalho e a internalização de práticas prejudiciais aos presos e a si próprios, devido à gestão autoritária ou como estratégia de sobrevivência, reproduzindo a lógica punitiva e violenta da instituição.
Por fim, ressaltamos a visão negativa da sociedade sobre essa atuação, vista como um ‘trabalho sujo’ e privilégio dos presos, contrastando com a percepção positiva dos profissionais, relacionada ao cuidado, por meio da garantia de direitos e assistência à saúde.
Como alternativas, indicamos que reconhecer a complexidade da questão prisional é crucial para sua transformação, colocando o coletivo como elemento chave desse processo, com a criação de alianças internas e externas, promovendo a saúde dos psicólogos e a elaboração de questionamentos sobre as articulações da Psicologia com o sistema de justiça para a garantia dos direitos humanos.
Participar de eventos como este é imprescindível, principalmente quando observamos que estamos em um espaço que defende a liberdade, a democracia, a dignidade da pessoa humana e os valores éticos, pensando a ciência e a política como instrumentos para buscar justiça social e garantir os direitos humanos.
Sempre gosto de lembrar que, em 2022, lançamos o livro “Saúde e Trabalho no Sistema Prisional”, organizado por Anísia Valéria Chaves e Silva, Lucília Nunes de Assis e Michely de Lima Ferreira Vargas, e fruto de uma parceria entre a Escola de Saúde Pública (ESP-MG) e a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (SEJUSP). Participei do livro, particularmente, no Capítulo 2 – Saúde do trabalhador no sistema prisional (p.57) e no Posfácio (p.149). A convite da ESP-MG, pude contribuir com a formação dos alunos e transmitir um pouco da minha experiência de pesquisa e trajetória profissional na saúde do trabalhador. Para quem se interessa pelo tema, é um excelente material.
Faço agradecimentos especiais aos comentaristas do meu trabalho, Eduardo Milhomens, Poliana Cardoso e Regina Juncal, que contribuíram com pontuações para aprimoramento do resumo. E também vale ressaltar a belíssima organização do evento, nas figuras de Amanda Batista e Flávia Pena, ambas atuantes da coordenação estadual do IBCCRIM. Até a próxima!
Leia também:
- Falando por aí sobre o trabalho e saúde nas prisões
- O contraditório direito à saúde das pessoas privadas de liberdade
- Livro: Saúde e Trabalho no Sistema Prisional
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