Arte, medo e essa coisa de criar

“A audiência vem depois. A única comunicação pura é a que acontece entre você e sua obra”.

Por que tantos dos artistas que começam desistem? Essa é a pergunta central de “Arte e medo: observações sobre os desafios (e recompensas) de fazer arte“, livro inédito no Brasil, publicado em abril de 2024 pela Editora Seiva. Escrito por David Bayles (à direita) e Ted Orland (à esquerda), a obra foi originalmente publicada em 1993 nos Estados Unidos e, somente agora, chega aos leitores brasileiros. De acordo com a Editora, ambos os autores são “professores, escritores, fotógrafos e artistas em atividade” e moram, atualmente, nos Estados Unidos.

Como diz a descrição do livro, trata-se de um clássico underground que se tornou “um dos principais best-sellers sobre arte e criatividade”. Com 120 poucas páginas, posso dizer que o livro se tornou um clássico com razão. Não sei é um livro para todas as pessoas, mas tenho certeza que todos se beneficiariam da leitura e da análise que os autores fazem do que é arte e o “ser artista”.

David e Ted se preocupam em desconstruir diversos sensos comuns, como o de que a arte é algo exclusivo de pessoas com algum dom ou talento inatos. Mais do que isso, os autores buscam, na minha percepção, nos aproximar da experiência dos artistas, que somos todos, afinal, todos nós somos aptos a produzir arte, nos expressar, modificar o mundo e a fazer nossa leitura da realidade.

Para mim, que sempre tive uma relação próxima com as artes, o livro caiu como uma luva. Desenho desde pequeno, como falei neste texto, e sempre estive próximo da música, seja com meus pais, cantarolando e escutando música pela casa, seja nas aulas de piano quando criança e no desenvolvimento adolescente, entre muitas bandas e amigos, do que se tornou meu instrumento principal na vida adulta, a bateria, e um pouco de violão.

Além disso, sempre gostei de cantar e ouvir música como se fosse um ritual, e adotei o hábito da escrita como uma forma de me expressar, que também passei a considerar como uma forma de arte.

“Entre a ideia inicial e a peça finalizada existe um abismo, e podemos enxergar o outro lado, mas nunca mapeá-lo por completo. Os momentos verdadeiramente especiais do fazer artístico são aqueles em que um conceito se torna realidade – aqueles momentos em que o abismo está sendo atravessado”.

Contudo, me identifico muito com tudo o que o livro traz, já que, como muitas pessoas, tenho imensa dificuldade em me denominar “artista”. Não fiz curso de desenho, aprendi sozinho. Não fiz curso de música, para além de poucas aulas de piano e bateria, aprendi sozinho.

A escrita, claro, aprendi nos meios formais de educação, mas boa parte dela desenvolvi sozinho, através da leitura e da prática. Isso é algum mérito específico? Não acho que seja. Tive a estrutura, as condições e a atitude para desenvolver isso tudo, porque algo, dentro de mim, dizia (e ainda diz) que eu precisava fazer isso.

“Infelizmente, ambientes artísticos saudáveis são quase tão comuns quanto unicórnios. Vivemos em uma sociedade que incentiva a competição em níveis visivelmente cruéis, e que estabelece um padrão rígido e difícil para definir quem vence”.

Sempre tive uma relação complicada com a arte de produzir alguma coisa, afinal sempre fui bastante perfeccionista e mantenho o sarrafo lá em cima. Ou seja a autocobrança sempre esteve presente. Não acho que toque bem piano. Não acho que desenhe “nada demais”. Nem acho que toque bateria tão bem, como algumas pessoas já me disseram. Ou mesmo cante.

Sim, isso também é chamado de baixa auto estima ou síndrome do impostor. Além disso, o medo de errar também sempre esteve presente e, posso dizer, esse é um dos principais riscos a quem deseja fazer qualquer tipo de arte: o medo de errar.

Falei um pouco sobre arte neste texto aqui, e recupero esse trecho, o qual acho bem elucidativo:

Ao ser questionado sobre que acha que a literatura pode ensinar sobre a sociedade e sobre a condição humana, Zygmunt Bauman (2004) responde:

“Eu, por exemplo, me lembro de ganhar de Tolstoi, Balzac, Dickens, Dostoievski, Kafka ou Thomas More muito mais insight sobre a substância das experiências humanas do que de centenas de relatórios de pesquisa sociológica” (BAUMAN, 2004).

Deixo aqui alguns trechos do livro. Eles falam melhor do que eu. Recomendo bastante a leitura.

“A pergunta foi: Artistas têm algo em comum uns com os outros? Como toda boa pergunta, ela logo gerou uma enxurrada de outras relacionadas: Como artistas se tornam artistas? Como aprendem a trabalhar em suas obras? Como posso criar obras que me satisfaçam? Para artistas jovens, cheios de energia e idealismo, as respostas parecem estar bem ali na esquina. Só que, à medida que os anos passam, começamos a nos deparar, com frequência crescente, com uma pergunta muito mais obscura: Por que tantos dos que começam desistem?”

“Alguém um dia igualará a genialidade de Mozart? Não. Obrigado – agora, podemos continuar nosso trabalho?”

“Se a arte é sobre o eu, a conclusão amplamente aceita é que fazer arte é autoexpressão. E é – mas isso não é necessariamente tudo. Pode ser que validar o senso de identidade como a principal fonte da necessidade de fazer arte seja uma característica passageira de nossos tempos”.

“O que se perde nessa acepção é um sentido mais antigo de que arte é algo que você faz no mundo, ou algo que você faz sobre o mundo, ou até mesmo algo que você faz pelo mundo. A necessidade de fazer arte pode não vir apenas da necessidade de autoexpressão, mas de uma necessidade de completar um relacionamento com algo que está além de si. Como artista, você é o guardião de questões maiores do que o eu”.

“O que bons professores oferecem aos seus alunos é algo próximo à vulnerabilidade encontrada em um relacionamento pessoal – uma forma de intimidade artística e intelectual que permite que os outros vejam como eles alcançaram um ponto específico, e não o simples fato de terem chegado lá”.

“Quando a percepção de si depende tão diretamente do posto que o mundo externo concede, a motivação para produzir obras que recebam boas avaliações é extrema. Ao não saber como dizer a si mesmo que seu trabalho está bom, você pode ser impulsionado ao topo da montanha tentando fazer o resto do mundo dizê-lo”.

“Mas se fazer arte fortalece o senso de identidade, o medo correspondente é o de não estar à altura da tarefa – de não poder cumpri-la, não poder executá-la bem ou não poder realizá-la de novo; ou de não ser um artista de verdade, não ser um bom artista, não ter talento ou não ter nada a dizer. Na melhor das hipóteses, a linha que separa o artista de seu trabalho é tênue, e para o artista em si ela parece (como é de se esperar) nem existir. Fazer arte pode parecer perigoso e revelador. Fazer arte é perigoso e revelador. Criar provoca dúvidas sobre si, ao remexer as águas profundas que ficam entre o que você sabe que deveria ser e o que teme descobrir que é. Para muitas pessoas, isso já é suficiente para evitar que comecem”.

“Artistas não saem do lugar até que a dor de trabalhar seja ultrapassada pela dor de não trabalhar” – Stephen De Staebler

“A questão é que você aprende a fazer seu trabalho fazendo o seu trabalho, e uma boa parte das peças que cria pelo caminho nunca vai se destacar como obra de arte terminada. O melhor que você pode fazer é criar arte com a qual você se importa – e criar muito!”

“Escrever é fácil: basta você sentar e encarar uma folha em branco até que gotas de sangue comecem a se formar na sua testa.” – Gene Fowler


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