Bem-vindos à livraria Hyunam-dong, de Hwang Bo-Reum

“Para que uma harmonia soe agradável, antes é preciso ter uma dissonância. Por isso, na música, a consonância e a dissonância precisam coexistir. E na vida é a mesma coisa. Nós conseguimos ver beleza na vida porque a dissonância vem antes da consonância”.

Uma pequena livraria em um bairro tranquilo. Um ou dois funcionários. Um dia a dia sem grandes revoluções, mas com pequenas conquistas. Diálogos transformadores. Frases que nos fazem pensar e tirar algum peso das nossas costas. Isso é um pouco do que encontrei ao ler “Bem-vindos à livraria Hyunam-dong(Intrínseca, 2023, 272 páginas), da escritora sul coreana Hwang Bo-Reum.

Considerado um dos livros da chamada ‘healing fiction‘ ou healing literature‘, livros acolhedores, de fácil leitura e sem grandes reviravoltas”, este é primeiro romance da jovem autora, que é formada em ciência da computação e trabalhou como engenheira de software na LG Electronics. O livro se tornou um fenômeno, com milhares de exemplares vendidos e direitos adquiridos em vários países.

O gênero literário, ‘majoritariamente asiático’, que apesar de falar de cura, não parece auto ajuda, tem surgido como uma certa novidade. Como bem define Bárbara Blum, para a Folha, são livros com “bibliotecas fofas, livrarias simpáticas, cafés aconchegantes e mercearias excêntricas estampadas nas capas”. Uma espécie de luta contra a ansiedade através da conexão humana, que parece termos perdido por aí, em algum lugar.

Já havia observado, nas recomendações de leitura do Kindle, alguns títulos dessa categoria, mas não dei tanta atenção. Recentemente, me deparei com uma thread no Twitter que explicava melhor a tal “healing fiction“, uma espécie de literatura de cura, que tinha a proposta de trazer histórias simples, com uma atmosfera acolhedora, em ambientes tranquilos e intimistas, e mostrando conexões humanas e “pequenos dramas”. Me pareceu algo “para sossegar os pensamentos” e “relaxar o espírito”, em um momento em que vivemos bastante acelerados.

Bom, o livro cumpre o objetivo? Sim. Até a capa é acolhedora. Dá vontade de sentar ali na livraria e tomar um café. Como promete, o livro não traz grandes emoções ou reviravoltas. Não há suspense ou nada que desperte tanta curiosidade, como naqueles livros que te prendem do início ao fim.

Contudo, são personagens interessantes, com dilemas existenciais comuns a todos nós, tentando viver uma vida simples e achar sentido nas coisas que fazem. Temos trechos que nos fazem pensar sobre a nossa relação com o trabalho, com as pessoas e com a vida, de modo geral.

Discordo um pouco de algumas descrições do livro que vi por aí, dizendo que é “emocionante” e que mostra “como os livros são capazes de curar feridas e mudar as pessoas”. De certa forma, temos um pouco disso, sim, mas talvez a falta de altos e baixos, e de algum suspense e profundidade, tire sua capacidade de emocionar tanto.

Na minha opinião, é um livro que cumpre mais a promessa de descansar a sua cabeça e o espírito, do que te emocionar. Digamos que é uma história terapêutica. Nesse sentido, ele foi terapêutico pra mim.

Li, por aí, que essas histórias “de cura” talvez sejam “boas demais para ser verdade”. Isso não é mentira, mas creio que elas cumprem um objetivo importante, que é trazer um pouco de esperança e sentido para as pequenas conquistas e pequenas felicidades que, às vezes, deixamos de valorizar e vivenciar. Pelo menos, pra mim, isso é algo que ficou bem marcado.

A leitura me remeteu, ainda, a dois livros que já comentei por aqui. São eles: Trinta segundos sem pensar no medo, do Pedro Pacífico (uma espécie de autobiografia marcada pela experiência com a literatura) e “How to do nothing”: Resisting the Attention Economy, de Jenny Odell (livro que discute a constante disputa pela nossa atenção na sociedade contemporânea, em virtude das novas tecnologias).

“E aí, você recomenda?”. Sim, para quem gosta de livros, se sente meio ‘desatento’ com tanta informação e busca uma leitura tranquila, para sossegar as ideias, é uma indicação. “Você leria outro livro dessa categoria na sequência?”. Acho que não, mas pretendo voltar e ler outros desse tipo, porque realmente são agradáveis e servem como um respiro entre leituras mais densas ou complexas.

Vou deixar aqui o resumo do livro e também alguns destaque que fiz durante a leitura. Até a próxima!

Descrição do livro (link da Amazon): “Yeongju tem se sentido desmotivada. Sua vida se tornou uma sucessão de frustrações e ela sente um vazio eterno no peito. Cansada de viver assim, ela decide deixar tudo para trás e colocar em prática um antigo sonho: abrir uma livraria.

Desde a infância, Yeongju encontra conforto nos livros, e abrir uma livraria parece ser a solução ideal para os seus problemas. Mas começar um negócio nunca é fácil, e ela precisa aprender que ser uma amante dos livros não é o suficiente para tornar o seu sonho realidade.

Conforme vai entendendo como administrar uma livraria, Yeongju também descobre mais sobre si mesma e quem ela quer ser. Cercada por livros, ela encontra um novo significado para a vida à medida que a Livraria Hyunam-dong se transforma em um espaço convidativo para que almas feridas descansem, se curem e descubram o que realmente importa. E quando os clientes começam a se sentir confortáveis para compartilhar suas histórias, experiências, esperanças e emoções naquele espaço, Yeongju finalmente sente que encontrou o seu lugar.

Repleto de diálogos sinceros e profundos, Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong é uma história emocionante sobre os momentos decisivos da nossa vida e como os livros são capazes de curar feridas e mudar as pessoas”.

Destaques:

Página 9 · Posição 78 – “Quando precisa descobrir se está feliz em algum lugar, ela pensa nestas três perguntas: Eu me sinto bem neste espaço? Eu consigo ser eu mesma e me amar como eu sou neste lugar? Eu me sinto valorizada aqui?”

Página 26 · Posição 302 – “No fim das contas, só há apenas uma resposta: a que está no seu coração no momento. Afinal, não é isso que significa viver? Seguir em frente com a resposta que você tem, enfrentando adversidades, tropeçando e se levantando. Até o momento em que você percebe que a resposta certa, na verdade, estava errada. Então você continua e procura por outra resposta. Viver é isso. A resposta certa sempre muda ao longo da vida”.

Página 33 · Posição 381 – “Assim como para todas as outras coisas, existe um tempo certo para a leitura também”.

Página 35 · Posição 399 – “Ao compartilhar o espaço com Minjun, Yeongju aprendeu que ficar em silêncio pode ser um ato de gentileza consigo e com os outros, e que é possível se sentir confortável assim”.

Página 46 · Posição 543 – “Acho que os livros que lemos ficam registrados no corpo, e não na memória. Ou talvez fique na memória, mas de uma forma mais profunda. As frases de alguma história de que não me lembro me ajudaram quando precisei decidir alguma coisa. Os livros que li me levaram a fazer as escolhas que fiz ao longo da vida. Eu não me lembro de todos os livros que li, mas mesmo assim esses livros continuam me influenciando”.

Página 67 · Posição 825 – “No processo de descobrir seus gostos e preferências, Minjun percebeu que se dedicar a algo sem propósito talvez seja como olhar para dentro de si mesmo”.

Página 89 · Posição 1113 – “Todos nós somos inadequados, fracos e comuns. Mas se somos capazes de ser gentis—mesmo que por um brevíssimo momento—, podemos ser extraordinários”.

Página 92 · Posição 1139 – “Por mais altruísta que uma pessoa seja, quando ela está presa nos próprios problemas, dificilmente consegue notar que os outros estão sofrendo, mesmo que estejam bem na frente dela”.

Página 136 · Posição 1700 – “Que quando eu tiver alguma ideia, é bom experimentar viver um pouco com ela. E que, com o tempo, vou descobrir se estava certo ou não”.

Página 187 · Posição 2352 – “Acho que a vida se torna um pouco mais fácil quando sabemos que a felicidade não está tão distante”.

Página 200 · Posição 2512 – “No fim das contas, é isso. Você precisa se perguntar: com que você quer trabalhar apesar das preocupações? Escolhi me preocupar e administrar uma livraria”.

Página 220 · Posição 2771 – “A vida é complexa demais para ser definida apenas pelo seu emprego. Alguém pode ser infeliz trabalhando com o que gosta, e talvez você trabalhe com o que não gosta, mas encontre a felicidade em outro lugar. A vida é misteriosa e complexa. Apesar de o trabalho desempenhar um papel muito importante na nossa trajetória, não dependemos só disso para sermos felizes ou não”.

Página 224 · Posição 2809 – “Aprendeu que, para não ficar preocupado, bastava se concentrar em algo”.

Página 225 · Posição 2827 – “Viver o presente significa se dedicar de corpo e alma ao que se está fazendo naquele exato momento”.

Página 259 · Posição 3247 – “Como estava vivendo pela primeira vez, as preocupações são muitas e a ansiedade é enorme. Viver pela primeira vez é algo precioso. E quando se está vivendo pela primeira vez, não dá para saber nem o que acontecerá daqui a cinco minutos”.

Página 263 · Posição 3292 – “Uma vida de sucesso é uma vida rodeada de pessoas boas. Posso não ter sido bem-sucedido de acordo com a sociedade, mas, graças a essas pessoas, todo dia é um dia de sucesso”.

Página 290 · Posição 3642 – “Um dia bem aproveitado é uma vida bem vivida”.


Descubra mais sobre Mais uma Opinião

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Uma resposta para “Bem-vindos à livraria Hyunam-dong, de Hwang Bo-Reum

  1. Pingback: Acioli, Ferraz, Lísias e os livros de 2024 | Mais uma Opinião·

Quero saber a sua opinião. Deixe o seu comentário!

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.