“Toda ansiedade merece um abraço”

“A ansiedade é uma neblina que nos impede de estar no momento presente de forma minimamente tranquila e que ao mesmo tempo nos leva a imaginar o que de pior pode acontecer conosco no futuro próximo” Alexandre Coimbra

Se tem uma coisa que gosto sobre ler livros no Kindle, ao invés do tradicional livro impresso, é a facilidade que tenho para destacar trechos que gosto e acho relevantes, e depois recuperá-los sem esforço, para utilizar em algum texto ou simplesmente lembrar de partes importantes. E alguns livros nos proporcionam de modo mais acentuado essa “necessidade” de grifar tudo e guardar na memória, ou como eu digo, “fazer um post it e colar na nossa geladeira mental”.

O livro “Toda ansiedade merece um abraço“, escrito por Alexandre Coimbra, é um desses livros. É difícil resistir ao ímpeto de destacar diversos trechos, afinal, o autor propõe uma conversa simples e, ao mesmo tempo, profunda com o leitor, e muito do que é dito ali, é sentido por todos nós, ainda que em diferentes proporções e momentos da vida. Mas, como eu cheguei até esse livro? Bom, vou fazer um breve desvio.

Recentemente, por indicação da psicóloga, comecei a ler “A Segunda Montanha: A Busca Por Uma Vida Moral“, de David Brooks, jornalista e escritor canadense. Em síntese, o livro traz uma discussão sobre os comprometimentos que definem uma vida significativa e utiliza uma ideia bem interessante para dizer sobre os caminhos que percorremos ao longo da vida. Basicamente, o escritor argumenta que muitas pessoas escalam o que ele nomeia de “primeira montanha”, uma espécie de escalada rumo ao sucesso e baseada nas expectativas dos outros sobre o que eu deveria fazer ou ser, caracterizada também por uma supervalorização do próprio ego, uma vida autocentrada.

Contudo, em algum momento da vida, vivenciamos acontecimentos (demissões, divórcios, morte de entes queridos, etc.) que “nos jogam no vale”, marcado pela confusão e pelo sofrimento, e as coisas parecem não ter muito sentido. Para o autor, é aí que temos a oportunidade de começar a escalar a “segunda montanha”, onde vivenciaremos o desprendimento do ego e poderemos caminhar rumo a uma vida de interdependência, não independência. De comprometimento “a um companheiro e à família; a uma vocação; a uma filosofia ou fé; e a uma comunidade”. É nessa nova escala que passamos a “desejar coisas que realmente valem a pena, não o que as outras pessoas falam que devem almejar”.

A verdade é que, na minha opinião, o livro poderia ter 150 páginas ao invés de 384. Apesar de apresentar bons argumentos e depoimentos muito interessantes, o autor se arrasta um pouco após os primeiros capítulos, e entra numa jornada de detalhamento excessiva sobre o próprio ponto inicial. Quem sou eu para questionar um best-seller, mas o fato é que o livro me perdeu lá pela metade e fiquei só com a ideia principal mesmo na cabeça, que segue relevante (tem citações ótimas). Quem sabe um dia volto para terminar.

Bom, voltamos ao que me levou ao livro do Alexandre Coimbra. Órfão de leitura, fui em busca de um livro que me cativasse e me envolvesse, mas que não fosse ficção. Queria ler sobre a vida e sobre as coisas. Foi, portanto, passeando pelas redes sociais, que observei que aquele psicólogo que eu seguia que falava sobre masculinidade, às vezes, estava lançando um livro novo. Eu estava ansioso para ler alguma coisa. E o livro parecia bom, recebeu bons comentários. Uni o útil ao agradável.

E a escolha foi uma surpresa muito agradável. Sempre me lembro de quando escutei algumas músicas pela primeira vez, se já conhecia o artista ou não, onde eu estava, quem me apresentou, se ouvi o álbum inteiro depois. Fica na memória como perfume. Músicas possuem um forte significado afetivo pra mim. Com livros, tenho uma experiência semelhante. Com alguns, claro. E lembro quando comprei, baixei e comecei a ler o livro do Alexandre Coimbra. Foi à noite, li alguns capítulos, e terminei a leitura em todos os tempos possíveis e disponíveis nos dias seguintes.

Ler aquelas palavras me fez querer voltar a escrever. Criar uma rotina, novamente. Não necessariamente escrever com algum propósito acadêmico e/ou profissional, mas simplesmente escrever. Me senti acolhido na minha ansiedade diária. Já tem um tempo que me sinto, de certa forma, bloqueado na escrita. Sigo lendo, mas escrevo pouco ou quase nada. Sei que boa parte disso se deve à vinculação que fiz, nos últimos anos, entre a escrita e a obrigação, como se escrever estivesse sempre ligado a publicar alguma coisa, ser lido, comentado e avaliado, resquícios do universo acadêmico. Lembrei que, como disse o autor, “a palavra tem a capacidade de envolver a indefinição em uma moldura”. E foi por isso que comecei a escrever, aqui mesmo, lá no início de 2014.

Em “Toda ansiedade merece um abraço”, Alexandre Coimbra, psicólogo, terapeuta familiar, de casais e grupos, propõe uma conversa sobre algo que vivemos muito e de que falamos pouco: a ansiedade. Porém, Alexandre não tem como objetivo trazer um manual de como lidar com a ansiedade, com dicas imperdíveis, detalhando os transtornos mais comuns e formas de tratamento. Na verdade, o autor busca aproximar o leitor e quase dizer que “está tudo bem”, nos autorizando a vivenciar a ansiedade com um peso menor do que a atribuímos, normalmente, em nossas vidas. Afinal, Alexandre faz uma crítica bastante pertinente ao modo como vivemos, nos dias de hoje. Acelerados, bombardeados por um número infinito de informações e estímulos, convocados a responder tudo com urgência e tendo nossa atenção disputada a todo o momento. Uma sociedade do cansaço e do desempenho.

Para o autor, “a ansiedade aparece como o resultado do encontro de um mundo que pede que sejamos acelerados e produtivos ao extremo com nosso medo de não sermos capazes de responder a tantas exigências” (posição 224). Portanto, nada de compreender a ansiedade e as suas distintas manifestações como um fenômeno isolado da nossa cultura. Ela é produzida e cultivada nas nossas relações. Nesse sentido, Alexandre indica que a saída para vivenciarmos a ansiedade de forma produtiva e mais saudável também não deve ser somente individual, mas coletiva.

Ele diz que “nós precisamos, sim, de espaços privados para reflexão e silêncio, mas também temos que compartilhar o que nos faz sofrer, fazendo a alquimia do incômodo se transformar em palavra, e a palavra se transformar em encontro que alivia um pedaço da dor” (posição 191). Isso é extremamente significativo, porque vivemos em uma cultura que condena a vulnerabilidade, com raríssimas exceções. Para Alexandre, “já basta a dor de sofrer. Não merecemos a vergonha de sofrer como uma dor extra” (posição 165) e “o julgamento sobre a ansiedade piora, e muito, a sua vivência” (posição 281).

Sempre fui uma pessoa ansiosa e convivi (ainda convivo) com as ambivalentes qualidades que isso traz. E é interessante como isso é tão comum. Por um lado, insegurança, dificuldade de se conectar com o presente, preocupações excessivas e seus derivados. Por outro, energia para produzir, criar, viver coisas novas, não se acomodar. Boa parte das pessoas vivenciam essa luta interna. Então, por quais motivos ainda a tomamos como sinal de fraqueza diante do mundo? Vivemos, diariamente, o “mito do equilíbrio humano irreal, idealista e inatingível” (posição 892).

Como lidamos com os nossos altos e baixos? Se a cultura do desempenho e da performance, tão comum nas empresas, já tomou a nossa vida pessoal e relacional, como podemos aceitar que, em determinados momentos, não estamos bem? Que precisamos aceitar a tristeza, que não somos produtivos e não temos a energia de antes. Como diz o autor, “Algumas frustrações podem ser tão dolorosas que nos custam anos de elaboração. E tudo bem, é assim mesmo, não há nada patológico em tomar muito tempo para aceitar duros nocautes” (posição 318). Afinal, “tudo o que nos incomoda é um fogo que arde, cuja chama não se apaga com palavras fáceis ou fingimentos solenes” (posição 332).

Ao escrever esse texto, me lembrei de quando escrevi uma matéria para uma revista, intitulada: “Ansiedade e a ‘perda’ da espontaneidade“. No texto, busquei abordar o tema sob o ponto de vista do Psicodrama, trazendo ainda contribuições quanto a noção de saúde e doença de Georges Canguilhem, adotada pelo psicólogo francês Yves Clot. Basicamente, partia da noção de que, se considerarmos uma conduta espontânea como uma resposta adequada a si mesmo e ao meio em que se vive, o aumento da ansiedade virá com a diminuição dessa capacidade. Ou seja, o adoecimento ou o surgimento desproporcional da ansiedade está diretamente relacionado à diminuição da espontaneidade.

Revisitando o texto à luz do que pude conhecer nas palavras deste livro, fiquei orgulhoso do que escrevi e da forma como observei a ansiedade enquanto fenômeno. A ansiedade é isso que nos faz esquecer de nós mesmos, nos leva para o futuro e nos tira do presente. Que reduz a nossa capacidade de entender e viver o presente, e responder a ele de forma espontânea, genuína, natural. Que cria uma barreira entre experiência e compreensão e vivência da experiência.

Contudo, acho interessante como o fiz, à época, sob uma perspectiva bastante acadêmica e racional. Sim, lembro que compartilhei algumas coisas sobre a minha história, mas somente hoje entendo que sinto o que leio. O que leio, hoje, e o livro do Alexandre traduz isso muito bem, me conecta comigo mesmo de uma forma diferente. Talvez devo atribuir isso à vida e aos anos de psicoterapia.

Para quem se identifica, de alguma forma, com o pouco que disse aqui sobre este livro, recomendo muito a leitura. Como diz o autor, “a ansiedade pode querer te impor a certeza de um fim, mas você tem a capacidade de convidá-la a ser um começo” (posição 1119).

Alexandre Coimbra propõe que possamos construir uma forma de viver menos ansiosa e que possamos, principalmente, aceitar a ansiedade e todas as outras manifestações genuinamente humanas apenas como o que elas são: manifestações genuinamente humanas, que nos fazem ser o que somos, “porque todos merecemos uma vida menos ansiosa. Porque já bastam os medos reais que temos que enfrentar. Porque já bastam as situações reais de uma vida” (posição 506).

Como já fiz em outros comentários sobre livros, vou deixar alguns destaques aqui, trazendo um pouco do que o livro nos entrega.

“A ansiedade é um pedido de conexão com aquilo que talvez já tenhamos nos esquecido do que importa para nós – mas que o mundo amoroso à nossa volta, por mais acelerado que seja, tem condição de nos recordar” (posição 176).

“Todas as vezes que temos que lidar com emoções desagradáveis, somos chamados a um aprendizado contínuo, que marca toda a nossa vida: a tolerância à frustração. Frustrar-se é entender, depois de sentir muita coisa, que a experiência real foi muito diferente da expectativa”. (posição 313)

“A ansiedade ruim é o contrário: não resolve nem supera nenhuma questão. Ela faz o oposto: paralisa, desespera de forma quase incontornável, prejudica todos os papéis sociais que precisamos exercer […] Tudo o que gerar paralisia em você merece ter prioridade” (posições 451 e 455).

“A ansiedade convoca e produz um esquecimento de quem somos […] quando somos levados somente para o futuro, deixamos vagos os espaços do aqui e agora e das nossas memórias, das saudades, das cenas que nos compuseram” (posições 565 e 612)

“Se escutar alguém batendo à porta, não se surpreenda: é você. Você está dentro do quarto escuro, ao mesmo tempo que outra parte sua está batendo à porta, naquela sua atitude sábia de dizer a si mesmo as palavras que precisam ser ditas, sentir o que merece ser sentido, fazer o que precisa ser feito, para deixar o ar novo entrar…” (posição 1116).

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