Você é uma pessoa ética? Aliás, você é sempre ético? Sempre se atém aos seus princípios morais?
É comum ouvirmos que vivemos tempos de individualismo e que cada vez mais as pessoas se preocupam apenas consigo mesmas. Segundo Lipovetsky (1992) – citado por La Taille – “vivemos tempos de crepúsculo do dever, nos quais ‘cessamos de reconhecer a obrigação de nos apegar a outra coisa que não seja nós mesmos’.
Talvez essa tendência ocorra principalmente nas grandes cidades, em determinadas camadas da sociedade, em situações típicas, em atividades profissionais específicas. Ou não.
Julgar o que é certo e errado, discordar ou concordar com o comportamento dos outros, são coisas que consciente ou inconscientemente fazem parte da nossa rotina.
O que importa é que, seja uma tendência ou não, seja um fenômeno amplo ou restrito, o egoísmo, o individualismo, condutas antiéticas e comportamentos imorais são velhos conhecidos de todos nós.
Para fins de significado, ética e moral costumam ser sinônimos, remetendo a um conjunto de regras de um indivíduo, de um grupo ou da sociedade, sendo normalmente utilizadas para definir condutas adequadas ou inadequadas.
Venho adotando a diferenciação feita por La Taille, que buscarei resumir no post: Ética, moral e psicodrama. Mas para o presente texto, adoto o significado usual. Retomo a questão: é possível ser ético uma hora e não ser ético em outra? Acredito que sim.
La Taille afirma que “o herói moral, o santo, é aquela pessoa cuja voz da consciência sempre fala mais alto do que as outras. Ela desconhece fraquezas que a fariam desviar-se do claro caminho do dever. Esta é a exceção, não a regra. O mais comum é o homem ‘cair em tentação’, como se diz no âmbito cristão, às vezes tornar-se surdo à voz de sua consciência moral” (LA TAILLE, 2010).
O mesmo autor se apoia na ideia de que vez ou outra, acontecem ‘eclipses morais’, ou seja, um aparente ‘desaparecimento’ do sentimento de dever, de obrigatoriedade.
Ao discutir esse conceito, La Taille diz que “para alguns, e em determinadas situações, tal sentimento sofre um ‘eclipse’: a pessoa age de forma contraditória com os deveres que, em outras situações, inspiram suas ações” (LA TAILLE, 2010).
Mas porque isso acontece? Qual a explicação?
Uma explicação possível é dada por La Taille. Segundo o autor, esse fenômeno ”pode ser explicado pela hierarquia de valores associados às representações de si”.
A cada parcela de nossa personalidade, a cada papel que desempenhamos, atribuímos determinado valor. Citados por La Taille, “Colby e Damon (1993) empregam metáforas espaciais: ‘valores periféricos’ e ‘valores centrais’.”. Como em uma hierarquia, os valores periféricos têm força menor que os valores centrais. Determinadas parcelas da personalidade são mais valorizadas que outras.
Cito integralmente o exemplo de La Taille:
“Imaginemos alguém que preze ver a si mesmo como honesto, mas preze mais ainda ver-se como um ‘vencedor’ na vida – por exemplo, sucesso profissional. Em situações nas quais agir de maneira honesta não implica comprometer o referido sucesso, ele agirá moralmente. Nesse caso, não há conflito. Mas, se houver (por exemplo, deixar de obter algum sucesso se não enganar um concorrente), o dever moral da honestidade poderá sofrer um ‘eclipse’, pois o investimento afetivo da ‘boa imagem’ de vencedor é maior que na ‘boa imagem’ moral.” (LA TAILLE, 2010).
Desse modo, assim como afirma La Taille em seus estudos, aspectos da personalidade, da identidade, irão influenciar as condutas morais e produzir, às vezes, um desvio, um ‘eclipse’ dos princípios morais.
Concordo com a posição do autor e acredito que grande parte das explicações diante de comportamentos antiéticos, imorais, inadequados, podem estar relacionadas às representações que uma pessoa tem de si mesma, o sentido que dá à vida e os diferentes valores que investe em cada parcela de sua personalidade.
Referências bibliográficas
LA TAILLE, Yves de. Moral e Ética: Uma Leitura Psicológica in Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 105-114
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Opa!
Muito legal seu texto! Muito interessante o assunto!
Recentemente tive contato com o conceito de “Cegueira Ética”, elaborado por professores da Universidade de Lausanne . Eles propõem que muitas decisões antiéticas podem se dar sem que o ator tenha total consciência, em razão de uma série de fatores. Tem grande aplicação para contextos institucionais.
Talvez você tenha interesse. Segue link para um dos trabalhos deles, caso se interesse: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2212617
Abração!!
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E aí meu caro! Que bom que gostou da reflexão. Interessante esse conceito de cegueira ética. Uma vez li um texto do Foucault que falava sobre uma parcela de desconhecimento sempre presente nas nossas percepções da realidade. Parece similar. Vou dar uma olhada com ctz! Abraço!
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Penso que a ética busca avaliar os princípios em seu individual, onde cada grupo possui seus próprios valores, pois o que é considerado ético para um grupo, não é para outro. Tenho lido seus textos são muito bons parabéns.
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Interessante. Obrigado Gabrielle. Espero que continue acompanhando então! Abraços!
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Obrigado Cesar. A ética e a moral precisam cada vez mais serem discutidas e estimuladas. Abraços
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Ótimo texto!
As vezes é mais fácil pro homem “cair em tentação” e se dar bem, do que seguir seu dever moral e ser ético para com outra pessoa.
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É um bom modelo, mas mesmo que ninguém esteja vendo sempre existe uma referência externa ou interna, invisível, que baliza o comportamento.
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continuo considerando um bom modelo de comportamento ético, aquilo que você faz quando ninguém está vendo. Simples assim.
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