“A coisa é mais séria e afinal tudo redunda em puro egoísmo: a gente procura ajudar-se a si mesmo apenas, e usa todos os caminhos, inclusive os indiretos, de cinco ou seis destinos que a gente pode tocar com as mãos. Ninguém ajuda ninguém, e a verdade é que estamos sozinhos, cada um consigo mesmo. Não ajuda porque todo gesto, toda palavra, todo movimento desinteressado visando uma realidade fora da nossa é mais egoísta que o mais sórdido interesse”
(Fernando Sabino em Cartas perto do coração)
Recentemente li uma pesquisa que mostrava que a autoestima de uma pessoa envolvida em causas sociais e ações voltadas ao próximo, é mais sólida do que a auto estima de alguém que preocupa-se basicamente com a valorização de si mesmo. Resultado interessante.
Qual a finalidade de nossas ações? Eu busco a minha felicidade apenas ou busco a felicidade de todas as pessoas em volta?
Serão nossas atitudes movidas pelo egoísmo e no final das contas só estamos tentando nos dar bem? Ou realmente nos preocupamos com alguma coisa além de nós mesmos?
A visão pessimista ou realista descrita por Fernando Sabino ao se corresponder com a escritora Clarice Lispector é de uma objetividade perturbadora. Pensar que cada um está só “lutando pelo seu” pode ser desmotivador. O escritor Gabriel García Marquez, que faleceu recentemente, dizia sobre o próprio ato de escrever que “o escritor escreve seu livro para tentar explicar a si mesmo o que está além de sua compreensão”. Não escrevo livros, mas concordo com ele.
É comum começarmos a fazer alguma coisa a princípio apenas por nós mesmos. Por egoísmo, pela necessidade de reconhecimento do outro, para massagear o ego, elevar a auto estima ou por orgulho. Afinal, realizar desejos, buscar o próprio prazer e satisfazer vontades são princípios comuns.
Mas qual o limite disso e sua real necessidade? Observo uma enxurrada de orientações do tipo: alcance o seu sucesso; trabalhe com o que você ama; realize os seus sonhos; ame a si mesmo mais do que ao próximo; busque a sua felicidade.
E se todo mundo buscar apenas a própria felicidade? Seremos todos felizes? Uma grande massa feliz?
Me preocupo por pensar às vezes apenas em pequenas escalas – minha vida, meus amigos, meu amor, minha família, meu trabalho – e deixar de pensar em grande escala – nossa cidade, nosso país, nosso mundo. Somos ensinados a buscar a própria felicidade e institivamente procurar satisfazer nossas próprias necessidades. O “egoísmo” vem de fábrica.
Ao discutir condutas éticas, Yves de La Taille diz que a ética remete “à vida boa, a felicidade, o sentido da vida” e à questão: “que vida eu quero viver?”. O autor afirma que “falta dizer que, para merecerem o nome de éticas, as respostas a respeito da vida boa devem necessariamente incluir outrem, portanto serem pensadas do ponto de vista da articulação do individual e do coletivo. Se as decisões referentes à realização de uma vida boa não contemplarem a inclusão de outrem, diremos que não são éticas” (LA TAILLE, 2009).
Somos ensinados a considerar as outras pessoas no nosso projeto de felicidade? Talvez sim, talvez não. Dificilmente consigo imaginar uma sociedade feliz baseada nos ideais de sucesso e realização de vida tão divulgados atualmente pela mídia. Às vezes imagino muitas pessoas perdidas na epidemia da felicidade individual.
Moreno, criador do Psicodrama, acreditava no homem espontâneo, intimamente ligado à ideia de adequação e adaptação, vendo atitudes espontâneas como respostas adequadas pelo indivíduo a si mesmo e ao meio em que ele vive. A espontaneidade pode ser entendida como “a melhor adaptação a uma realidade que se aprende a perceber de maneira mais completa” (MORENO apud MARTIN, 1984, p.133).
De que vale a felicidade pessoal à custa da infelicidade do outro? O sucesso individual lado a lado com o fracasso coletivo.
E se formos tão egoístas e orgulhosos a ponto de não conseguir perceber nosso próprio orgulho e egoísmo? Aí está um grande obstáculo.
Referências bibliográficas
LA TAILLE, Yves de. Moralidade e violência: a questão da legitimação de atos violentos em Temas em Psicologia – 2009, Vol. 17, no 2, 329 – 341 Dossiê “Psicologia, Violência e o Debate entre Saberes”.
MARTIN, E. Psicologia do encontro: J. L. Moreno. São Paulo, Duas Livrarias, 1984. p.119 a 157.
Fernando Sabino e Clarice Lispector. Cartas perto do coração – correspondência dos escritores entre 1946 e 1969 – 1ª edição, Editora Record. 2001.
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O ideal de felicidade normalmente divulgado é bastante confuso e isso contribui para essa perda de tempo.
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falava ontem, para minha turma de marketing, sobre missão, que em ultima análise, representa a razão de ser de uma empresa e de um ser humano. Nesse sentido, a felicidade é a única missão do ser humano, que muitas vezes perde a vida, tentando conquistá-la através de coisas. Essa luta vai deixando a pessoa mais egoísta e perdida, correndo atrás de alguma coisa que não está em lugar algum, apenas dentro de si mesmo.
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