A cabeça do santo, de Socorro Acioli

Riam das desgraças, suas e dos outros. Desgraça é tudo coisa de se rir”.

Contar boas histórias através da escrita exige destreza. Quem já tentou ou tenta escrever histórias sabe disso. É preciso desenvoltura e criatividade para que o enredo e os personagens cativem o leitor, para que possamos, enquanto espectadores daquela trama, mergulhar, por alguns minutos, horas ou dias, naquele universo. O conteúdo, a forma, a ordem, a linguagem, tudo importa.

E ler boas histórias é como tomar um sorvete pensando na vida, dar um passeio na praça ou assistir a um filme inteiro sem mexer no celular. É um momento para desfrutarmos e descansarmos a mente, ativando outras conexões cerebrais esquecidas pelo estresse diário.

Na minha opinião, é isso que encontramos no livro “A cabeça do santo“, de Socorro Acioli, minha primeira leitura de 2024. Nascida em Fortaleza, em 1975, Socorro é professora e publicou diversos livros infanto-juvenis. Em 2006, foi selecionada para a oficina de roteiros Como contar um conto, ministrada pelo famoso escritor colombiano Gabriel García Márquez. Foi da proposta que apresentou para participar dessa oficina que resultou o livro que falamos aqui, publicado em 2014 pela Companhia das Letras. O seu segundo romance, “Oração para Desaparecer”, foi publicado em novembro de 2023, pela mesma editora, e já entrou na minha lista de leituras.

Em síntese, o livro conta a história de Samuel, “um jovem que descobre possuir o fantástico dom de ouvir as preces das mulheres para santo Antônio”. Antes de morrer, a mãe de Samuel fez um último pedido: que ele fosse encontrar a avó e o pai que nunca conheceu, na pequena cidade de Candeia. Ele faz a longa travessia, a pé. “Tudo ficou pelo caminho: juventude, alegria, pedaços de pele, mililitros de suor, quilos do corpo, e os parcos e velhos fios de esperança de que houvesse alguma coisa invisível que ajudasse os homens sobre a Terra” (posição 48).

“Ao chegar àquela cidade quase fantasma, ele encontra abrigo num lugar curioso: a cabeça oca e gigantesca de uma estátua inacabada de santo Antônio, que jazia separada do resto do corpo. Mas as estranhezas não param aí: Samuel começa a escutar uma confusão de vozes femininas apenas quando está dentro da cabeça. Assustado, se dá conta de que aquilo são as preces que as mulheres fazem ao santo falando de amor”.

Confesso que essa premissa chamou bastante a minha atenção. Parecia uma história bastante diferente do que eu já tinha lido. E era mesmo. O desenvolvimento da narrativa é curioso e divertido, em alguns momentos. Apesar de alguns elementos “místicos” restarem sem explicação, é justamente essa a graça da coisa. As conexões que vão sendo criadas entre os personagens ao longo da história são muito interessantes e passamos a gostar daqueles “falsos milagreiros” que agitam o pequeno município, torcendo por um bom desfecho.

“A moça pensou uma coisa egoísta: ele sofria mais que ela. Que bom ver alguém que sofre mais. Que bom. Aquela desgraça de destino, seja lá como tenha acontecido, tornava a sua sina um pouco mais leve. Ela sempre achou que nunca encontraria alguém que sofresse mais que ela. Encontrou, por segundos” (posição 110)

Pra quem ficou curioso, assim como eu, é bom saber que a história sobre a escultura é verdadeira e inspirou o livro. Segundo reportagem do Diário do Nordeste, “há 36 anos, a cabeça de uma estátua de Santo Antônio está em uma casa, servindo de muro e até abrigo, no bairro Conjunto Habitacional, no município de Caridade, a 97 quilômetros de Fortaleza”. Em outra matéria, é possível saber mais detalhes do fato curioso. Inclusive, a ideia é construir um museu para a cabeça do santo.

“A cabeça do santo” é um livro curto e cumpre o que promete. É um exercício de imaginação e imersão em um contexto muito particular. “Era tudo tão lindo que nem coube nos seus pequenos sonhos. Ela precisou aprender a sonhar mais” (posição 628). Afinal, como diz a banda Dingo, em sua música “Dinossauros”, talvez a nossa imaginação esteja muito limitada por problemas reais. Para quem procura uma leitura leve e prazerosa, é uma ótima dica.


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6 Respostas para “A cabeça do santo, de Socorro Acioli

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  2. Esse livro é maravilhosoooooo! Orgulho dessa escritora brasileira. Li o livro em duas etapas. Comecei a ler e, quando vi, já estava na metade. Essa sabe manusear uma pena!!

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