Escolho começar frustrando todas as expectativas

Sobram frases de efeito sobre criar expectativas. A minha preferida, no entanto, diz algo, como: crie galinhas, mas não crie expectativas. Não te darei o céu, como disse o Roberto. Não te darei flores, presentes, bombons ou festas, como disse o Jeneci. Talvez dê, mas não espere por isso. Poucas coisas são tão libertadoras, a meu ver, como dizer, de princípio: não espere nada de mim.

Dos meus quarenta anos, acredito ter vivido, boa parte, buscando atender às expectativas de algo ou alguém.

Pintura do artista Jade Rivera. Foto tirada no distrito de Barranco, em Lima, no Peru

No amor, sobram modelos a serem alcançados e seguidos. O Vinícius e o Toquinho diziam que, “para viver um grande amor”, é preciso “muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso”. Diziam também que “é sempre necessário ter em vista um crédito de rosas no florista”. Olha as flores aí de novo.

Por fim, a dupla definia o que parecia ser o êxtase do grande amor: “E o que há de melhor que ir pra cozinha, E preparar com amor uma galinha, Com uma rica e gostosa farofinha, Para o seu grande amor?”. Olha a galinha aí de novo. As receitas estão aí, só não vive quem não quer.

No trabalho e na carreira, também sobram ideais a serem perseguidos. Se eu puder ser totalmente honesto (o que acho que posso, pelo menos aqui), fiz psicologia por fruto do acaso – quem, em sã consciência, sabe o que fazer da vida com dezessete anos?

Fiz concurso público por acaso. Acho que fui aprovado por acaso, também. Quinze anos de serviço público. O que diabos aconteceu?

Nas artes, fui tocar bateria e, particularmente, Beatles, como principal ofício, por acaso. Fruto de oportunidade, alguma dedicação, incentivo, estrutura e um pouco de sorte. Não é sobre isso, afinal?

Muito do que busquei e alcancei ao longo dos anos foi fruto de uma mistura de acaso com algum esforço. Nem de longe persegui, com instagramável perseverança, o que conquistei.

Calma. Não precisa me convencer do contrário. Não me entenda mal. Não me falta gratidão, a palavra da moda.

Mas não espero nada de você. Não é bom, também, ouvir isso? Libertação mútua. Não me siga, eu também estou perdido, como dizem por aí.

Acho que todos nós, em alguma medida, escalamos o que David Brooks nomeia de “primeira montanha”, uma espécie de escalada rumo ao sucesso e baseada nas expectativas dos outros sobre o que eu deveria fazer ou ser, caracterizada também por uma supervalorização do próprio ego, uma vida autocentrada. Se um dia a ficha cai, somos “jogados no vale” da desilusão e passamos a escalar a “segunda montanha”, baseada, agora, nos próprios desejos, segundo Brooks.

Bonito isso, apesar de bastante complicado.

É muito prazeroso ter o reconhecimento ou a reciprocidade de quem admiramos, claro. Talvez seja esse o êxtase humano. Muitas vezes, estamos fazendo apenas o que seria a nossa obrigação, correto?

Contudo, travo uma difícil batalha contra a necessidade de reconhecimento externo. Costumo operar com base no produto que será entregue e como ele será recebido. Sou lido? Admirado? Visto? Amado? Lembrado?

Uma vida na expectativa de reconhecimento. Isso não parece bom.

A busca por atender às expectativas dos outros, sem que os outros tenham, ao menos, comunicado essas expectativas a nós, é um caminho bastante conhecido para o rancor e para o ressentimento. Atuamos com base no que imaginamos que o mundo queira de nós. Pessoas passam a vida nessa fantasia. Essa é a receita para a frustração. E requer, ainda, alguma dose de “umbiguismo”. Recolha-se à sua insignificância.

Gostaria de abrir uma brecha no espaço-tempo e, por meio dela, voltaria aos segundos que antecedem o meu nascimento. Na saída, não choraria, não mesmo. É o que esperam que eu faça. Ficaria em silêncio. Está vivo? É saudável? Sim, só parece ser do tipo “mais calado”. Inaugurar a vida frustrando todas as expectativas. O que viesse, daí pra frente, seria somente decepção. Deliciosa liberdade.


Li por aí e recomendo: 📚

A geografia da experiência – A vida possível, por Raisa Monteiro Capela

Mataram o tédio. E quem morreu? – anacronista, por Ana Rüsche

O que há de comum entre sonhos e memórias – Muito além do cérebro, por Juliana Belo Diniz


Um dia, um livro, será? 📝

Na última semana, consegui terminar de reunir diversos textos que publiquei, ao longo dos anos, em um arquivo único de texto. Fiz uma seleção com os meus preferidos e também os mais atemporais. Fiquei satisfeito com o resultado, já que compilei trinta e um textos, em pouco mais de cem páginas.

Até hoje, publiquei alguns artigos científicos e um livro, que é basicamente uma adaptação da minha pesquisa de mestrado. Ou seja, publiquei apenas produções científicas. A minha ficha de que talvez eu possa pensar em publicar um livro que não seja científico ainda está caindo. Se cair, eu aviso.


Termino com essa belíssima tirinha do Raphael Salimena (@linhadotrem 📷)

Tirinha do Raphael Salimena, publicado no perfil do autor no Instagram

Por hoje é só. Um abraço!


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