Nome de velho, análise e outros assuntos

Desculpe se me antecipo, mas vivemos uma crise. Não é climática, econômica ou política. Nada disso. O ano é dois mil e vinte e cinco, desde a vinda do afamado messias, e lidamos, de forma temerária, com a escassez e o risco de extinção de uma espécie: os rodrigos.

Nome comum entre os visigodos, povo que habitava a região da atual Espanha, no período medieval1, Rodrigo tem origem germânica e possivelmente se popularizou no Brasil nos idos da metade do século passado, com o capitão Rodrigo Cambará, “um homem curioso, sedutor e intrépido”2, na obra de Érico Veríssimo.

Devíamos utilizar mais o adjetivo “intrépido”.

Outro dia, ao ser conduzido por um carro de aplicativo – não somente pelo carro, mas também pelo motorista -, encontrei um xará. Dois Rodrigos juntos, em um HB20 de meia idade, assim como os ocupantes.

O motorista, curioso e inconveniente, perguntou a minha idade: respondi, com voz grave e pesarosa – Quarenta, moço (eu voltava do oftalmologista. Sim, eu fui). Ao que ele retrucou: Pois é, a maioria dos Rodrigos que eu conheço tem a nossa idade. Eu tenho quarenta e dois.

Breve silêncio.

No curto trajeto, trocamos algumas figurinhas sobre a origem do nome – ambos advindos do capitão Rodrigo – e chegamos à conclusão iminente: em breve, teremos o famoso “nome de velho”. Não se fazem mais Rodrigos como antigamente.

Me lembro bem quando, há alguns anos, o jogador de futebol Dagoberto entrava em campo. Imediatamente me lembrava do meu avô e imaginava um senhor de chuteiras e shorts curtos. Será esse o meu destino daqui a uns vinte anos?

Dagoberto, hoje com 42 anos, aposentado e com duas filhas

De acordo com o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística (IBGE), divulgado no último dia quatro de novembro, a partir do Censo de 2022, Rodrigo alcançou o 30º lugar entre os nomes mais comuns, com 561.663 ocorrências. Somos mais ordinários que Fernando, Samuel ou Raimundo.

O fato é: não conheço nenhum Rodrigo com menos de trinta anos. Ou seja, eu e meus comparsas seremos o Dagoberto do nosso tempo. O nome já temos, que venham as bengalas e as calças xadrez com suspensório.


Análise, da Vera Iaconelli (2025) 👩🏻‍🦳

O sintoma surge quando a conta não fecha.

Recentemente, terminei a leitura de Análise (Zahar, 2025), livro mais recente da psicanalista Vera Iaconelli. O livro é um relato um autobiográfico com toques teóricos e analíticos. Acho que é uma leitura especial para quem já se aventurou em algum processo de psicoterapia/análise ao longo da vida.

Em análise poderei falar tudo, ali entenderão o que tenho que aguentar nesta vida, ali serei absolvida das acusações que me são feitas”. Mas se tudo se resumisse a encontrar compreensão e alguns conselhos, quem melhor do que um amigo para fazê-lo? O analista, com certeza, não. (p.28).

A autora resgata episódios da sua vida e busca elucidar, até para si própria, como eles influenciaram no seu desenvolvimento pessoal e profissional. É um excelente exercício de crítica e perspectiva sobre a própria vida. Recomendo.

Deixo aqui alguns trechos que destaquei:

A fantasia de começar tudo do zero quando se forma uma família é comovente e furada. Ter uma família é, por definição, transmitir a bagagem de uma geração para outra. Seja genética, psíquica ou socialmente, a nova geração se faz a partir da anterior […], todos teremos que nos haver com o passado de onde emergimos (p.115).

O que deteriora as relações que têm potencial para florescer são os não-ditos. Os acontecimentos, por mais terríveis que possam ser, terão efeitos mais ou menos desastrosos a depender do quanto podem ser reconhecidos e compartilhados, de como podem ser inscritos simbolicamente. Caso contrário, a angústia, esse afeto difuso e perturbador que não encontra as palavras para ser costurado ao tecido da vida, funciona como um ruído ensurdecedor, do qual fazemos tudo para nos esquivar. A angústia é a dica certeira de que algo precisa ser escutado, mas não dá para viver sob seu permanente jugo.

O preço de bancar o desejo pode ser tão alto que seria uma enorme presunção do analista julgar as decisões do paciente, cujo tamanho do calo só o próprio poderá medir. Enquanto o paciente crer que ganha mais do que perde com suas escolhas, dificilmente abrirá mão desse ganho, mesmo que isso o faça sofrer. E o sofrimento pode fazer parte desses ganhos, caso ele entenda que o merece. Algo como “sofro como deveria ou tanto quanto mereço”, ou, ainda, “a vida é sofrer”. Enfim, muitas são as fantasias e os ganhos inconfessos que nos aferram a uma vida infeliz mesmo quando ela poderia ser melhor.


Ela se chama Rodolfo, de Júlia Dantas (2022) 🐢

Terminei, também, a leitura de “Ela se chama Rodolfo” (DBA Literatura, 2022), da Julia Dantas, escritora de Porto Alegre. O livro é o segundo da lista do Cubículo, clube do livro organizado por Bruna FonsecaJuliana AlvimLudmila Primo e Raisa Monteiro Capela.

O livro é muito bom, agradável e conta com a união de personagens improváveis e simpáticos. Tem uma tristeza que é transformada pela companhia. São capítulos curtos, o que torna a história bastante ágil, de uma forma positiva. O mistério que se mantém durante boa parte do livro é cativante. Me surpreendeu.

Em determinado momento do livro, nosso protagonista decide escrever uma carta à sua ausente namorada. Achei a carta tão interessante, brego-romântica e “intrépida”, que a destaco na íntegra:

GABRIELA,

imagino a minha ausência na tua vida. Que espaço ocupará? Será grande o suficiente para preencher o outro lado da cama, metade do sofá? Por quais camas e sofás andarão tuas pernas? Teus braços levarão com eles a minha ausência? Será que é grande o suficiente, a minha ausência, para ocupar o espaço dos teus pensamentos, a intensidade do teu desejo, o oco do teu corpo? Ou será já tão pequena que te cabe no bolso da calça, num frasco de perfume acabado ou até mesmo equilibrada sobre a rolha da garrafa do vinho de ontem? Terá minha ausência se encolhido até desaparecer? Sumida, imagino que ela terá deixado vazio o tanto que ocupava, e agora te restará apenas a ausência da minha ausência, novo fantasma do velho fantasma.

MURILO

Recomendo a leitura.

Posso te dar esta verdade: a carne das minhas palavras sempre foi mais genuína do que a carne do meu corpo. (p.202)


Algumas coisas que gostei por aí… 📚

E se a sua intuição estiver certa o tempo todo? – Tati Guedes

Edição 39 – Gastar com sapatos – Andreza Lucena

A psiquiatria pela ótica dos deprimidos – Juliana Belo Diniz

#100 – filosofia avulsa (e barata) – pedro rabello

Isso é bom demais.

Por hoje é só. Um abraço ✌🏻

1 https://revistacrescer.globo.com/guia-de-nomes/rodrigo/index/feed/pagina-12

2 https://prosanova.com.br/rodas-de-leitura-um-certo-capitao-rodrigo/


Descubra mais sobre Mais uma Opinião

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Quero saber a sua opinião. Deixe o seu comentário!

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.