Ergopsicologia, curso UFES e saúde mental relacionada ao trabalho

Em abril de 2025, ao procurar material para uma das disciplinas que lecionei na PUC Minas, encontrei o artigo “Apoio psicológico online, clínicas do trabalho e Ergopsicologia : reflexões a partir de uma experiência de estágio1“, publicado na revista científica Laboreal, em um dossiê nomeado Modos de vida e trabalho, de 2022.

Escrito pelos professores do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Roberta Belizário Alves e Thiago Drumond Moraes, o texto traz um relato organizado e lúcido sobre a prática de apoio psicológico e sua pertinência às dimensões teóricas, técnicas, éticas e políticas do que nomearam, com base em outros pesquisadores, como Ergopsicologia.

O artigo, inclusive, é muito bem formatado e analisa “experiências de apoio psicológico breve online para trabalhadores de segurança pública e da assistência social, ofertadas por meio de estágio profissional em psicologia”.

Para mim, que já tenho familiaridade com o tema, o principal destaque é o detalhamento das dimensões metodológica, epistemológica, ético-política e clínica do que seria uma Ergopsicologia, ou seja, “o modo como se articulam teórica e metodologicamente produções teórico-conceituais de diferentes abordagens clínicas do trabalho e de outras contribuições epistemológicas”.

O autores concluem que, a abordagem individual no caso da intervenção em saúde mental do trabalhador, apesar de não constituir, usualmente, o foco das clínicas do trabalho, são pertinentes para “situações agudas e imediatas, especialmente aquelas de maior gravidade, as quais podem ser identificadas precocemente, e sobre as quais se pode intervir em momento oportuno para evitar o agravamento”.

Afinal, essa é uma discussão comum quando pensamos na relação entre saúde e trabalho.

Adianta ofertar atendimento psicológico ao trabalhador sem que trabalhemos para transformar as condições que o adoecem? Devemos focar na transformação coletiva e estrutural e esquecer do atendimento individual? Somos profissionais de saúde habilitados a “escutar o trabalho”?

É muito mais comum do que admitimos que as pessoas adoeçam em virtude do trabalho, seja o trabalho o principal causador, seja ele um fator agravante e/ou contribuinte.

Contudo, é muito pouco comum que indaguemos os nossos pacientes sobre o trabalho ou que nós, enquanto trabalhadores, deixemos de nos culpabilizar, exclusivamente, pelo adoecimento, e pensemos no papel que nossa atividade profissional pode ter na nossa saúde.

A relação problemática entre a forma atual de se relacionar e organizar o trabalho e a nossa saúde está posta2, mas ainda resistimos muito, enquanto sociedade, a enxergá-la e discuti-la.

Gustave Caillebotte – The Floor Scrapers – 1875 – Musée d’Orsay, Paris

Para os autores, ao responder se a intervenção relatada, se “encaixaria” na perspectiva de uma Ergopsicologia, é possível considerar que a oferta de escuta individual ao sujeito é adequada e necessária, “desde que a clínica seja assentada na compreensão do sofrimento também a partir da vivência no trabalho, e com foco na ação sobre essas condições associadas ao sofrimento”.

Dito isso, partindo da premissa de que, de modo geral, temos pouco retorno concreto sobre algumas produções científicas e não temos a real dimensão dos impactos que elas podem produzir nos leitores mais diversos, eu tirei alguns minutos para escrever um e-mail (como os astecas faziam) aos autores, ressaltando a relevância desse artigo e, claro, pedindo outras referências.

Recebi, no dia seguinte, um retorno atencioso da Profa. Roberta. Além de indicar outro texto (Apoio psicológico para trabalhadores da assistência social: uma proposta de clínica do trabalho3), a professora recomendou um curso elaborado por ela e pelo Prof. Thiago Drumond, juntamente com uma equipe de técnicos e estudiosos da Saúde Mental no Trabalho.

Trata-se de um curso na modalidade MOOC (Massive Open Online Courses) sobre Saúde mental relacionada ao Trabalho, que está disponível na plataforma Moocqueca, da UFES. É um curso totalmente online e auto instrucional, com carga horária de 60h. O link de acesso é https://mooc.ufes.br/cursos/saude-mental-relacionada-ao-trabalho/.

O curso é dividido em quatro módulos e uma parte de encerramento. Abaixo, trago um detalhamento do conteúdo:

  • Módulo 01 – Processo saúde doença – refletindo sobre a relação entre organização social e saúde
    • Modelos explicativos do processo saúde-doença e sua relação com o contexto social
    • Trabalho como um dos fatores determinantes da saúde
  • Módulo 02 – O mundo do trabalho – mudanças e contemporaneidade
    • Relações das pessoas com/no trabalho
    • Características dos modos de organização do trabalho na contemporaneidade e seus efeitos na saúde dos trabalhadores
  • Módulo 03 – Políticas de saúde do trabalhador
    • A trajetória das práticas e políticas de saúde direcionadas à população trabalhadora no Brasil
    • Medicina do Trabalho e Saúde/ Higiene Ocupacional, e Assistencialismo e Seguro Social
    • Atuação, desafios e perspectivas da Saúde do Trabalhador no SUS
  • Módulo 04 – Saúde mental e trabalho
    • Conceitos de condições e organização do trabalho, e de Saúde mental relacionada ao trabalho
    • Relação entre a saúde mental e a organização do trabalho, a partir da perspectiva da dinâmica prazer-sofrimento/adoecimento
    • Relação entre a saúde mental e a organização do trabalho, a partir da perspectiva da identificação dos fatores psicossociais de risco
    • Atenção integral em saúde mental e trabalho
    • Estratégias de prevenção, promoção em saúde mental e trabalho
    • Estratégias de Avaliação e atenção à saúde do trabalhador
    • Desafios da temática de Saúde do trabalhador

Recentemente, concluí o curso e posso dizer que o material é muito bom e o tema é tratado de forma assertiva pelos professores. Temos poucos materiais de tamanha qualidade disponíveis para o desenvolvimento nesse assunto. O fato é que, se tratando da relação entre trabalho e o processo saúde-doença, não existe resposta, nem solução simples.

Para se alcançar um modelo de atenção integral à saúde mental no trabalho devemos estabelecer um conjunto de ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação, nos níveis individual e coletivo. São necessárias estratégias inventivas, preventivas e interdisciplinares.

Nesse ponto, o curso se destaca, porque traz um material bastante rico em termos de “o que fazer diante de tudo isso”, apresentando roteiros de entrevista, instrumentos de investigação, orientações sobre notificação de agravos, além de elementos centrais para a construção de um plano de atenção à saúde mental no trabalho.

Somos apresentados a sete pressupostos básicos para atuarmos com saúde mental e trabalho:

  1. Não é incomum que quadros de sofrimento psíquico sejam acompanhados por limitações de ordem física.
  2. O trabalho é tudo aquilo que implica o ato de trabalhar, ou seja: gestos, saber-fazer, utilização do corpo, mobilização da inteligência e da criatividade, capacidade de refletir, interpretar, sentir e reagir às situações.
  3. Há sempre uma discrepância entre o que foi prescrito e a situação real de trabalho, que mobiliza o trabalhador para preencher essa lacuna.
  4. O nexo da saúde com o trabalho não é simples, pois o processo de adoecer é específico de cada indivíduo, envolvendo sua história de vida e de trabalho.
  5. O trabalhador não é compartimentado, ou seja, elas passam por momentos de vida difíceis, fora ou dentro do trabalho, assim como o seu corpo é inteiramente mobilizado pelo trabalho e pelo que há fora dele.
  6. O não reconhecimento da doença no trabalho como tal pode ser mais uma fonte de sofrimento.
  7. Muitas vezes, nem mesmo os próprios trabalhadores têm consciência da ligação entre o seu trabalho e o sofrimento/doença (é frequentemente visto como fraqueza, dissimulação, responsabilizando individualmente).

Na parte final, o curso traz uma série de exercícios que nos ajudam a construir, na prática, ações voltadas à identificação e intervenção nos processos de saúde-doença relacionados ao trabalho. Muito interessante.

Por fim, ressalto que o curso de extensão traz referências bibliográficas bastante pertinentes, entre clássicos e textos atuais, e as aulas em vídeo ajudam a sistematizar bastante o conhecimento adquirido.

Para quem se interessa e/ou trabalha com o assunto, recomendo bastante que faça e se aprofunde no material de leitura sugerido.

Leia também:

  1. Roberta Belizário Alves e Thiago Drumond Moraes, «Apoio psicológico online, clínicas do trabalho e Ergopsicologia : reflexões a partir de uma experiência de estágio», Laboreal [Online], Volume 18 Nº2 | 2022, posto online no dia 20 dezembro 2022, consultado o 24 julho 2025. URL: http://journals.openedition.org/laboreal/19709; DOI: https://doi.org/10.4000/laboreal.19709 ↩︎
  2. https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/03/10/crise-de-saude-mental-brasil-tem-maior-numero-de-afastamentos-por-ansiedade-e-depressao-em-10-anos.ghtml ↩︎
  3. Anais do VII Congresso Brasileiro de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho e I Congresso Brasileiro
    de Trabalho, Subjetividade e Práticas Clínicas [recurso eletrônico]: trabalho e bom viver podem
    caminhar juntos? / Organizadores, Liliam Deisy Ghizoni… [et al.]. — Palmas: UFT, 2023. https://repositorio.uft.edu.br/bitstream/11612/7027/1/Anais%20Contrab%20UFF_2023_OFicial.pdf ↩︎


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