Estar não estando

Tenho um péssimo hábito. Costumo estar não estando. Corpo aqui, cabeça lá. Lá onde? Em qualquer lugar, menos aqui. Isso é plenamente possível e os psicólogos e psicanalistas já explicaram. Tudo bem que o fato de explicar não resolve, mas é um começo. Sinto que estou indo sem ir, ainda que parar não seja uma opção. Como diz a canção: voltando da sua casa ontem, reparei que tinha ficado lá. Na terapia, este é um assunto recorrente. Onde está o Rodrigo? Boa pergunta, acho que passeando por aí.

É possível viver sem presença e todos sabemos disso. Quem nunca? Fulano é muito centrado e focado. Já pensou que ele pode só estar passeando por aí? Na mente. Às vezes esse é um mecanismo consciente, como quando pegamos o celular em uma reunião, no sofá de casa, um encontro a dois ou uma mesa de bar, e escolhemos mergulhar em qualquer outra coisa que esteja acontecendo naquele retângulo de metal, vidro e vários componentes.

É comum que não saibamos o que estamos procurando ali. Tenho me feito essa pergunta com mais frequência: quando abro as redes sociais, o que estou procurando? Uma dose de ânimo? Uma novidade? Uma distração? Qual a intenção por trás de cada acionada no celular, cada scrollada de tela?

Mas este não é um texto sobre celular e redes sociais. É sobre estar não estando. E ninguém precisa de celular pra isso. É possível viver sem fazer escolhas, ainda que, como diz o clichê, não escolher é também escolher. Tenho pensado bastante sobre isso. É um exercício diário e constante combater a tendência de estar no passado ou no futuro, mas nunca no presente. E o celular, sim, nos ajudou a nos desconectar do presente. O mindfulness, que ficou relativamente popular, é uma forma de meditação que busca a atenção plena, e parece ajudar. Confesso que ainda não testei.

O que você está sentindo aqui e agora? Como está o seu corpo? Você está onde gostaria de estar? Fazendo o que gostaria de estar fazendo? Usando o seu corpo e a sua mente intencionalmente? A intenção é muito importante e, muitas vezes, esquecemos dela. Estar não estando é como estar sem querer querendo, como ensinou o Chaves.

Costumo imaginar a minha cabeça presa ao pescoço por um elástico daqueles que esticam bastante e permite que ela esteja por aí, em vários lugares, distante do resto do corpo. Do lado do corpo, acima do pescoço, só se vê o fio, a cabeça está lá, em algum lugar, sobre as nuvens. Estar no aqui e agora é puxa-la de volta, como chamar as crianças de volta pra casa na hora do jantar.

Estar não estando é uma boa forma de fugir do desconforto e de evitar tomar decisões difíceis. De escapar de ter que lidar com conflitos ou simplesmente vivenciar a realidade. É uma boa forma de se proteger. De lidar com aquilo que não faz sentido mais ou que incomoda. Pelo menos, é isso que a cabeça pensa. Todos fazemos isso, em certa medida. Mas esse raciocínio é ardiloso quando se torna uma regra.

Atualmente, quando penso que posso estar apenas sobrevivendo, ao invés de viver a vida com presença, lembro do livro “A morte é um dia que vale a pena viver”, da Ana Claudia Quintana Arantes. Mais do que falar sobre a morte de uma forma honesta, simples e corajosa, Ana fala sobre a vida e sobre a importância de sermos protagonistas de nossa história e vivermos uma vida com sentido. Para isso, a autora questiona alguns valores do senso comum e critica a postura da própria medicina diante da morte.

Ao embarcarmos nessa vida, é como se entrássemos em um vagão de trem ou do metrô. Estamos indo para algum lugar. Todos nós. Para Ana Claudia, “para muitas pessoas, a vida é como estar no metrô com os olhos vendados: elas entraram em um lugar que não sabem direito onde fica, não sabem onde vão descer e não estão presentes! Simplesmente estão dentro”. Estão, não estando. Vivem a vida sem querer querendo.

Não se trata de dar um peso excessivo às nossas decisões ou entrar em um modo “aproveitar a vida como se não houvesse amanhã”. Trata-se de pensar, sempre: “o que estou fazendo com o meu tempo?”. Não quero estar ausente na minha própria vida. Quero estar estando. Querer querendo. Não se complicar, também, como bem lembra um dos melhores textos que li nos últimos tempos. Estar com aquela pessoa. Estar naquele lugar. Comer aquela comida. Ler aquele livro. Assistir àquele filme.

Me parece o desejo de muitas pessoas que estão por aqui, no Substack ou no mundo das newsletters (uma espécie de slow internet / clínica de reabilitação para pessoas excessivamente online). Tem uma discussão boa sobre isso no texto do Luri. O desejo de parar, respirar, talvez tomar um cafezinho, e voltar a viver, a estar estando, deixando de, simplesmente, estar à toa na vida e ver a banda passar ou mesmo com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar.

Puxe a cabeça de volta. Um abraço.


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