Um ponto de virada

Há alguns meses, venho consumindo muito conteúdo sobre política. São livros, artigos, vídeos, podcasts e muitas, muitas notícias. Considero que, até meados dos primeiro semestre do ano passado, era praticamente um leigo no assunto. Pior, um desinteressado nesses temas. A minha opinião padrão, até aquele momento, era que política é um assunto chato, distante e totalmente inútil. Afinal, pensava eu, nada vai mudar.

No entanto, por uma série de contingências que não consigo enumerar de forma ordenada, venho me interessando cada vez mais por ela, a política. Isso poderia parecer até estranho – o fato de o tema me cativar somente agora – tendo em vista que trabalho no serviço público estadual há mais de oito anos, desde 2010. Ou seja, estou imerso em política diariamente. Mas, infelizmente – ou felizmente – a política não havia me alcançado até então.

Existe uma piada muito engraçada nas redes sociais que diz: “se você me conheceu antes de 2008, me desculpe”. O ano pode ser alterado, mas a ideia é basicamente se desculpar por ter sido tão ignorante, desinteressado, insensível, pouco empático, imbecil, seja o que for, até determinado ponto, a partir do qual você mesmo considera que deixou de ser tão idiota assim. Pode ser uma ilusão pessoal, mas acredito sinceramente que existem pontos de virada na vida das pessoas. A minha “transformação” particular, ocorreu a partir de 2010, quando ingressei no serviço público, comecei a me interessar por morar sozinho e sair da casa dos meus pais, “alçar novos vôos” como se diz por aí.

Claro, isso não acontece da noite para o dia. É um processo, como tudo na minha vida. Na minha vida pessoal, passei a considerar que deveria pedir desculpas a uma série de pessoas as quais tratei de forma insensível e desrespeitosa, ou às quais dei pouco valor à influência e crescimento que trouxeram à minha vida. A algumas eu pedi. A outras, não me lembro. Mas isso é assunto para outro texto. Em minha vida profissional e intelectual – na qual vou inserir o interesse pela política – sinto que me livrei, em doses homeopáticas e gradualmente, de uma espécie de apatia.

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Um trecho da prateleira de livros

Eu diria que o meu “despertar” político ocorreu somente em 2018. E ainda vem ocorrendo. Já o despertar “intelectual” veio mais cedo.

Trabalhei em determinado setor, responsável pela gestão de pessoas na administração prisional estadual, por cerca de dois ou três anos, o que é chamado de “área meio”. Até realizei alguns trabalhos importantes, fiz algumas amizades e cresci profissionalmente. No entanto, estava totalmente alheio ao resto do sistema prisional. Parecia que atuava apenas para um grupo reduzido, próximo a mim, e desconhecia a realidade das unidades prisionais espalhadas na minha própria cidade e pelo restante do estado, chamadas “área fim”, ou seja, onde a real finalidade – a custódia dos presos – efetivamente acontece.

Após esse período, fui removido – de modo alheio ao meu interesse – para um setor responsável por atividades relacionadas à saúde dos servidores. Ali, também, atuei, durante três ou quatro anos, “cego” diante do que realmente importava. Não digo que todo o trabalho que vinha executando era inútil ou dispensável. Tratava-se de um trabalho burocrático, meramente operacional, que pouco me exigia como profissional.

No entanto, algo aconteceu em 2014. Não sei determinar que evento foi decisivo para que a mudança começasse a ocorrer, mas sei que, nos últimos meses de 2013 e no início daquele ano, me sentia cada vez mais distante da minha profissão: psicólogo. Não estava pensando, agindo ou atuando como psicólogo naquele local. Estava simplesmente utilizando conhecimentos adquiridos ali ou em outro lugar para executar um trabalho que poderia ser feito por outra pessoa, ainda que houvessem algumas iniciativas pontuais relevantes. A esse sentimento de esvaziamento, somou-se um desejo de expressar esse descontentamento em algum lugar, com alguém, de alguma forma.

A resposta veio através da leitura e do estudo. Como executava um trabalho burocrático e bastante padronizado, ou seja, sem grandes novidades e desafios, começava a me sobrar muito tempo ocioso no trabalho. Para algumas pessoas, isso pode soar uma afronta. Afinal, não deveríamos estar ociosos no serviço público com a população pagando o nosso salário. Eu nem pensava nisso e não estava nem aí para isso nessa época. Entendam, percepção e consciência da realidade são tudo nessa vida.

O tempo disponível então foi preenchido com leituras de matérias sobre Psicologia e sobre assuntos diversos envolvendo a profissão. Essa foi a forma que encontrei, à época, de me aproximar da minha formação e sair daquele espécie de limbo. Para os leitores do blog, o que vem a seguir mostrará onde “essa coisa” de escrever, começou. Acumulando conteúdo na cabeça e sentindo que precisava me colocar diante daquilo de alguma forma – e não encontrando pessoas próximas para fazê-lo – decidi tentar escrever. Impactado por um evento recente trazido até o meu conhecimento, desabafei o meu primeiro texto em fevereiro de 2014.

Mas o que isso tem a ver com a consciência e o interesse político que mencionei acima? Bom, entendo que, a partir do momento em que passei a escrever, ler e exercitar a troca de conhecimentos e opiniões com algumas pessoas, ainda que por meios eletrônicos, algo mudou na minha cabeça. Novas sinapses aconteceram, novos estímulos cerebrais, seja o que for. É nesse momento que encontro o meu ponto de virada, tanto em consciência profissional, quanto intelectual.

A partir desse momento, passei a me interessar cada vez mais pela Psicologia, e com um novo olhar, diferente do que havia dispensado a ela ao longo da minha graduação. Contudo, para além da Psicologia, é curioso observar como passei a escrever textos simples sobre temas fundamentalmente políticos, agora que os vejo à luz da distância e de uma nova consciência da realidade. São alguns exemplos: Amanhã vai ser outro dia?; A inversão da culpa; Violência gratuita?; A ética e o eclipse dos princípios morais; Indignações menores; e o que considero o mais indicativo de todos, Você vota por si ou por todos?

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Alimentos para o cérebro

Observem que eu nem lia sobre política naquela época. Não lia livros sobre, escutava podcasts ou assistia a vídeos e análises. O tema ainda me parecia indiferente. Mas, em minha vida pessoal, convivendo com as pessoas, observando os acontecimentos e simplesmente circulando por aí, os fatos começavam a me incomodar e me tirar da zona de conforto, do que considero, hoje, uma mistura de apatia, indiferença e falta de conhecimento.

Acredito que muitas pessoas se sintam dessa forma ou estejam nessa condição, sem saber. Sem ter alguma noção que estão “cegas” diante dos fatos. Ou simplesmente caminhando inertes. A ignorância não é uma benção. Se informar, refletir, criticar e atuar politicamente é fundamental em qualquer sociedade que se pretenda democrática e interessada no bem-estar de todos. Livros, então, são fundamentais.

Desde o que considero o meu ponto de virada, estudei, li, completei o mestrado, ingressei no doutorado, discuti em redes sociais e com as pessoas na vida real. Ainda acho que sei e entendo muito pouco, mas é muito interessante quando percebemos esses momentos em que – aparentemente – nos tornamos “outra pessoa”, acordando para uma realidade que já estava lá o tempo todo, batendo como vento em nosso rosto, e esperando para ser observada, interpretada e modificada por nós.

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11 Respostas para “Um ponto de virada

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  6. Parabéns pela lucidez, que se reflete na escrita, Rodrigo! Tenho acompanhado uma parte desse percurso e são esses “despertamentos” que nos fazem acreditar em mudanças (pra melhor)…

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  7. Poxa! Amei! E além de desperta para a escrita e para a política, ajuda as pessoas a despertarem também. De certa forma foi vc quem me fez escrever diferente, encarar o mundo e pensar sobre ele, sair da vida líquida ou pelo menos despertar nela. Isso é política! Obrigada não somente por compartilhar o seu despertar, mas por ajudar a quem te lê a despertar tb e, acima de tudo, ser solidário no despertar de quem estar perto de você!

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